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Quem coloca o joelho no meu pescoço?

DOMINGOS OLIVEIRA DE SOUSA

Quando vi pela primeira vez a imagem, eu disse: “Ele matou o sujeito. Foi de propósito. Não tinha hipótese. Matou na cara de pau. Sangue frio. A impressão pela imagem que não era o primeiro. Este foi o primeiro a ser filmado e divulgado. Parece que aquele sujeito é racista, é matador”.

No dia seguinte, soube que o policial foi preso e o mundo, mesmo com o covid -19, foi para rua protestar contra o racismo praticado contra um segurança afro americano, George Floyd.

Sempre sinto um joelho no meu pescoço, enquanto representação de uma coletividade de homens de cor de pele negra, que, por vezes querendo me matar, por vezes querendo me calar… E por vezes tudo… E muitas vezes o racista consegue dizer que este espaço não é meu, mas eu insisto. Detalhes, nem sempre a cor de pele que dizer pertencimento a um espaço geopolítico, culturas, histórias, línguas e sociedades.

Vivi por muitos anos em Salvador-Bahia. Vivi em outras cidades para além daquela que nasci e interpreto as diferenças. Em Brasília, na parede do Cine Dois Candangos (dentro da Universidade de Brasília) estava escrito: “Morte aos negros” Dava para perceber a hospitalidade aos estudantes africanos e afrodescendentes naquele espaço. O incomodo era tanto que a recepção era desta natureza.

Salvador ao contrário de Brasília uma cidade de minoria branca, contudo o controle social e econômico é muito forte. O jogo de opressão e oprimidos lembrando Paulo Freire e Luis Althusser é um fato social. Isto incomodou me muito, quando lia o filosofo francês e percebi que a educação produzida pelas escolas públicas estaduais que passei na qualidade de professor tinham uma característica de educação opressiva.

Esta conclusão para mim era fatal. A afro descendência estava fadada pela estrutura, seja governos de direita e de esquerda. Ambos praticavam racismo institucional na medida em que as políticas não promoviam a inclusão social e cultural dos escolares. E sim, permitia que estes fossem promovidos, ano a ano, sem as competências e habilidades necessária a fim de perceber que o mercado os queriam como mão de obra e ignorante no sentido latino, mesmo àqueles que passaram por algumas universidades sem a construção do devido senso crítico. Eis a armadilha do golpe do joelho no pescoço frente a muitos afrodescendentes em sociedade marcadamente racista. Tenho o título, mas não obtive o conhecimento necessário para exercer a função, que me preparei durante a minha vida escolar. Isto é asfixiante…

Antônio Dimas em Literatura Comentada, registra a postura racista de Gregório de Matos com o africano escravizado tanto homens e mulheres, bem os dois volumes de Gregório de Matos Guerra de James Amado deixa bem evidente como o poeta luso-brasileiro entendia os sujeitos locais na cidade da Bahia no século XVII. Desde de então, ou desde de sempre havia um joelho no pescoço do africano escravizado e do afrodescendente brasileiro.

O pós-abolição não significou a inclusão do afrodescendente na sociedade de classes, quando e como entrou foi em condições precárias como interpreta Florestan Fernandes em “Integração do negro na sociedade de classes”, bem como “O negro no mundo dos brancos” Daí, que surge a ideia de “consciência negra”. A saída dos portugueses bem como a lei áurea não significou uma mudança de comportamento no que tange às relações raciais. A impressão dada é que as tensões e conflitos foram ganhando outros contornos e controles. A afro descendência sempre foi subjugada no decorrer da sua história.

A cultura produzida pela afrodescendência foi sempre o alvo de perseguição. Antes da capoeira, ganhar a simpatia da classe média branca soteropolitana e brasileiro e vários espaços geopolíticos no mundo. Esta era marginalizada, o mesmo acontecia com a pratica do candomblé. Coube a Jorge Amado e a sua criatividade. Para muitos, realismo fantástico, dar a relevância a cultura local, o mesmo fez Pierre Verger, Dorival Caymmi entre outros intelectuais que marcaram uma época na Bahia e no Brasil.

Em certa medida, ou em medida larga. Jorge Amado contribui na minha autoestima na minha adolescência com os seus heróis e heroínas. A percepção do autor baiano deixava perceber o racismo cotidiano da policial contra a população afrodescendente sua cultura ou culturas que esta cidade de Salvador recebeu através o tráfico de homens e mulheres escravizados durante 4 séculos e até nos dias de hoje homens e mulheres ainda vivem em condições de escravizados no Brasil.

A ruptura poderia acontecer no final do século XIX, mas não aconteceu. Coube ao afrodescendente o lugar menor. “Liberto, porem cativo de uma vida indigna frente ao feito realizado na condição de escravizado durante séculos como força de trabalho que movimento a economia durante anos”. A afro descendência ainda continuou a viver para dar suporte ao modelo de vida da classe média que surgia pós-colonial e o modelo republicano legitimou o poder branco frente ao controle do afrodescendente. O formato de vida do branco soteropolitano sempre teve esta modelação e controle. Não se tratava mais do português, e sim, brasileiro subalternizando brasileiro em nome de sua forma de viver e controle do outro.

É como se o joelho passasse de um para o outro. Do branco português para o para branco brasileiro. A saída do capitalismo mercantil para o modelo industrial onde a afrodescendência passa a ser o sujeito da modernidade tardia de Antony Giddens. Festeja-se sempre o ineditismo tardio com muita luta e sempre com um joelho no pescoço a todo tempo tentando sufocar a afrodescendência que tenta a todo tempo se auto afirmar em uma sociedade capitalista que tem um único desejo explorá-lo como mão de obra barata para a fim de que o lucro seja maior.

Os anos setenta poderia representar uma ruptura, mas foi um bom passo. As rupturas que aconteceram em África nas relações colonial e a descolonização do ponto de vista político, a contracultura dos anos 60, os panteras negras entre outros foram sinais de desmonte do joelho no pescoço de muitos afro americanos e africanos que puderam respirar de outra forma diferente da minha.

O joelho continua no meu pescoço na medida em que as modelações políticas partidárias tanto a esquerda como a direita controlam a ideia da participação do afrodescendente no poder político. O branco e o branqueado controla sob diversas formas o controle a inserção do afrodescendente na política e nas relações de poder política e, por fim, na possibilidade de construção de uma nova cultura política sem as amarras colônias como na fala de S. Hall ou a colonialidad como afirma Anibal Quijano e Emmanuel Wallerstein.

Percebi que o joelho no pescoço se estendia a juventude como um todo, sobretudo, muitos adolescentes do sexo masculino eram alvejados dentro de suas casa. Nas incursões da polícia em bairros periféricos; a morte naturalizou-se e naturalizou também as manifestações contra os feitos da polícia como se todos afrodescendentes ainda estivessem nos séculos da escravidão e que suas vidas tivessem pouco valor moral e muito comercial.

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