DOMINGOS OLIVEIRA DE
SOUSA[1]
Resumo
A ideia deste artigo é propor uma discussão sobre a identidade e
etnicidade sobre a perspectiva da afrodescendência soteropolitana. Esta é a
primeira parte cuida do conceito de afrodescendência criado pela Historiadora Marli
Geralda Teixeira. A segunda parte fará uma discussão sobre reflexões sobre o
que venha ser identidade e pertença cultural do ponto de vista da afrodescendência.
A terceira parte deste artigo tem como
objetivo provocar uma discussão sobre a movimentação de identidade e pertença
do ponto de vista cultural de sujeitos brancos.
Palavras
Chave: Afrodescendência Cultural,
Identidade, Estratégias de Pertencimento.
Abstract
The idea of this article is to propose a discussion of identity and ethnicity on
the prospect of african descent.
This is the first part. The second part of this article looks after the concept of afrodescendência created by Marli Gerald Teixeira.
This will be the center of discussion
and reflection on what will be cultural
identity and belonging of the point of view of african descent. The third part of this article is intended to cause an initial discussion on the idea of white subject, and while building relations
of belonging, identity with the cultural point of view.
Keywords: Cultural African descent, Identity, Belonging strategies.
INTRODUÇÃO
A ideia
inicial deste artigo é propor uma discussão sobre o conceito de afrodescendente
brasileiro criado por Marli Geralda Teixeira[2]. Na compreensão da historiadora brasileira,
há dois pontos básicos: “Os marcos da submissão – o
porão e a senzala – e os marcos da resistência – a negociação e conflito.”[3]
(Teixeira: 2010; 165 - 168). Para tanto, em seu artigo “Compreensões de
Afrodescendência: Uma abordagem do sujeito histórico denominado afrodescendente
brasileiro”. Marli Geralda Teixeira
destacou três pontos:
a) O primeiro trata Brasil Colonial até o
século XIX:
“O
afrodescendente brasileiro construiu-se, a partir de quase quatro séculos de
tráfico negreiro e escravidão, em sujeito histórico presente em duas etapas da
história brasileira a saber, a propriamente escravagista e a pós –
abolicionista, das quais será abordada apenas a primeira. Esta corresponde à
época colonial/imperialista que cobre o período do séc. XVI ao XIX, contexto
durante o qual os interesses europeus sobre o continente africano variavam da
exploração mercantil à dominação imperialista; ” (Teixeira:
2010; 165 - 168).
b) O segundo trata do Brasil Colonial e as
relações de poder no século XIX:
“A hegemonia mudou e mãos e diversificou-se:
do custoso monopólio comercial português do sec. XVI à partilha do continente
pelos aliados europeus do sec. XIX; corresponde ainda à instalação,
estruturação e ampliação do lucrativo tráfico negreiro que, além do comércio de
escravos, englobava complexos negócios de compra e venda de mercadorias, num
comércio triangular que envolvia governos e comerciantes europeus, coloniais e
africanos: finalmente, um período que
registrou a ascensão de novos parâmetros econômicos que possibilitaram a
supremacia do capitalismo industrial e a derrocada do tráfico mercantil de
africanos escravizados e outra mercadorias.” (Teixeira: 2010; 165 - 168).
c) O terceiro trata do afrodescendente
brasileiro como sujeito de sua história seja no Brasil Colonial, seja no Brasil
no contexto Contemporâneo.
“Nesta etapa, firmam-se os marcos que
identificarão a afrodescendência nas Américas e no Brasil: os marcos da
submissão – o porão e a senzala – e os marcos da resistência – a negociação e
conflito.
O afrodescendente brasileiro traz estampados
na sua memória cultural a presença desses marcos que, consciente ou
inconscientemente, o acompanham e explicam em parte a situação de carência
social, de desigualdade, de preconceito e de discriminação forjadas ao longo
dos séculos e ainda vividas na contemporaneidade. ” (Teixeira: 2010; 165 -
168).
IDENTIDADES
E ETNICIDADES, SUJEITOS AFRO-BAIANOS, CONCEITOS E PRECONCEITOS.
A discussão preliminar trata dos possíveis
movimentos identitários das categorias: negro, afrodescendente baiano e branco
no que tange a existência de uma leitura sócio – cultural, bem como da
mobilidade das identidades dentro de um contexto da modernidade tardia. Há, inicialmente, dois tópicos que devem ser
contemplados: o primeiro vai tratar da pureza biológica do branco e do negro. O
segundo a idéia de identidade fixa para as categorias: negro e branco. (Giddens: 1994), (Hall: 2003), (Hall: 2004),
(Silva:2000), (Bhabha: 2007), (Bauman:1998), (Bauman:2005), (Appadurai: 1996),
(Munanga: 2008).
Há uma diferença entre a pureza biológica e
uma leitura social de negros e brancas, respectivamente, superior e inferior no
entendimento e práticas entre soteropolitanos. A colonização portuguesa se
estabeleceu não pela pureza; uma vez que a Península Ibérica passou por uma
série de invasões, revoltas, conquistas e reconquistas. E, sim, pela diferença.
O colonialismo representou um comércio, uma política pelo/com diferente. Este
diferente foi o africano escravizado. (Boxer: 2001). (Banton:1979),
(Risério:2007), (Santos:2010).
Prevaleceu a política da inferiorização; o
controle social, a promoção da assimilação cultural. Esta se deu de diversos
aspectos: “Se é ladino, se é boçal”. Se só sabe kimbundo, umbundo, kikongo,
entre outras línguas do tronco bantu; não serve. Se crê em inquice, não serve.
(Freire: 1980). (Castro: 2002). Aquilo
que preponderou foi aquele que tornou-se assimilado ou bilíngüe, poliglota para
ser aceito. Aquele que se tornou católico para ser mais um. O negro mulatinizou-se.
O mulato tornou-se branco. Mulatinizar-se, miscigenar-se passou a ser a tônica
do processo colonial e neocolonial; seja pelo estupro do senhor de engenho,
seja pela subserviência e as condições de vida que se encontravam a mulher:
negra e mulata; bem como o homem negro e mulato. O negro tornou-se mulato, e
como mulato preferiu assumir-se branco. Eis o primeiro movimento. Houve, ou
ainda, há uma negativa frente ao existir como negro, isto é, coparticipe do que
venha ser negritude. Esta conversão se deu, quando possível com capital
cultural do branco, bem como os jogos de poder e mando do que venha significar
de ser branco. O prestigio social, a ostentação da riqueza, a exploração do
negro. O distanciamento da escravidão, e, por fim, o preconceito com os negros.
(Munanga: 2008, 2009), (Risério: 2007).
Há duas ideias que tem permanecido nos
discursos sobre as relações raciais na realidade atual da cidade de
Salvador-Bahia. A primeira é a idéia de pureza biológica do branco e do negro
brasileiro. A segunda é a cristalização de uma identidade fixa. O conjunto cromático que compõem a sociedade
soteropolitana contradiz a identidade fixa de negros e brancos. O conceito de
afrodescendente baiano ou afrobaiano assumiu uma mobilidade cromática e o seu
ir e vir de denominações e pertenças; permitir-se-á entender: a) a assimilação
da identidade cultural; b) o desejo de pertença com o mundo branco e com o
mundo negro; c) a negação da cor; d) a busca da identidade e a negação da mesma
e os conflitos desta natureza, seja interpessoal, seja intrapessoal; e) o
preconceito e o estigma sóciocultural e intelectual. (Bacelar: 1989), (Goffman:
1988, 2002).
AS
IDENTIDADES E ETNICIDADES FIXAS
Imaginar que o negro baiano
ainda seja africano tanto quanto o branco baiano seja europeu, talvez, seja um
dos maiores equívocos dos discursos antropológicos e sociológicos que a
produção cientifica tem cuidado sobre tal tema. O prefixo afro tanto quanto o
euro quer certamente dizer respectivamente oriundo aos continentes: Africano e
ao continente Europeu. Como manter a reprodução simbólica desta comunidade
imaginada no decorre destes 500 anos?
(Anderson: 2005), (Bourdieu: 2007), (Bourdieu :1989).
Até quando será possível
suster o discurso colonial de ser europeu e o discurso de ser africano
colonizado? Onde está explícito e/ou implícito a superioridade do branco e a
inferioridade do negro forjada no racismo biológico do século XIX. (Wivieroka:
2002), (Banton: 1979), (Firman:1885), (Gobineau:1940), (Fernandes:2007;2008).
Porque manter a idéia de senhor e de escravo? A quem interessa esta reprodução
de modelos de comportamento de branco ativo e negro passivo que perpetua este
mosaico? Será o negro baiano um afro? Será um branco um euro?
O primeiro movimento a ser
feito com o afro-baiano é tirar o prefixo “afro” e dar-lhe a condição de
cidadão baiano, brasileiro, conferindo-lhe a dignidade de seu existir. Tirá-lo
do discurso colonial e conduzi-lo para um movimento de descolonizar, e, por
fim, pós-colonizar. O prefixo afro, ao mesmo tempo territorializa o sujeito
como alguém de um continente imaginado, bem como desterritorializa o sujeito no
que tange a cidade na qual ele vive, do outro lado do Atlântico Sul. Por um
lado, este passa a fazer parte de dois continentes um que idealiza como sujeito
pertencente a uma África sem uma determinada localização espacial e temporal.
Por outro lado, é um sujeito que dá impressão que se encontra em eterno
trânsito. “Estou aqui, mas sou de lá”. Como se fosse possível
reencontrar-se em algum espaço africano sua identidade subtraída por cinco
séculos. (Anderson:2008).
Este sujeito do “ir e vir”.
Esta “neurose africana”, como afirma Fanon em “Pele Negra e Mascaras Brancas”;
se encontra nos discursos de uma militância que se deseja entender como negro
produto da África; e não do Brasil produto da escravidão da liberdade no
contexto contemporâneo em um desejo continuo de recuperação de um sujeito
histórico e a sua identidade como forma de sua autoafirmação (Fanon: 2008). É
necessário lembrar “ o porão e a senzala” e “a negociação e o conflito”, como
salienta Marli G. Teixeira.
De outro modo, o euro tem
localização espacial definida. Ele é português, espanhol, italiano, francês,
inglês e etc. O euro é produto das políticas da colonização brasileira, que
ocorreram durante os séculos XIX e XX com o intuito de embranquecimento da
população brasileira; assim como constituir uma relação de capital e trabalho.
(Fernandes: 2007), (Fernandes: 2008), (Ianni: 1972), (Ianni: 1988). De tal
forma que, é mantido um reforço identitário destas comunidades como se fosse
possível ser euro dentro de um contexto de dos séculos atrás; contudo há um
desconhecimento das dinâmicas culturais que ocorrem nestas sociedades. Este é o segundo ponto.
O terceiro ponto é a
pratica do racismo, seja ele biológico ou cientifico; institucional; universal,
epistêmico e cultural (Banton: 1979), (Wieviorka: 2002); (Munanga: 2008),
(Torres: 2006; 2008), (Firman:1885), (Gobineau:1940), (Milles: 1989, 1993). O
período colonial e pós-abolição estruturou-se na prática de racismo. A
manutenção do poder político, econômico e ideológico da população branca (Bobbio:2000).
Estabeleceu-se normativas e filtros de aceitação e rejeição do afro-baiano. A
fala em todos estes contextos passa a ser a principal expressão e mais fidedigna
do que se pensa, produz e reproduz preconceito e discriminação no que tange as
relações interpessoais, sejam elas sociais, raciais, e/ou sócio raciais.
(Bourdieu: 2007). Ao passo que, o racismo biológico ou científico foi perdendo
o poder de argumentação perante a sociedade; os racismos institucionais,
culturais e epistemológicos cristalizaram-se como: a) forma de entender a
sociedade dividida em classes sociais, onde afrodescendentes e negros baianos
se encontram na base da pirâmide e a população branca no topo; b) agente
modelador da idéia de cultura superior e inferior, que jogos objetivos e
subjetivos dizem que a cultura afro-baiana é menor, menos elaborada que a
cultura branca de origem europeia erudita e formadora do melhor modo de ser e
estar dos baianos.
Os anos setenta serviram de
fomento, formação e problematização do negro como identidade política
ideológica no Brasil. Dentro de uma interface PT (Partido dos Trabalhadores) e
MNU (Movimento Negro Unificado) e PC do B (Partido Comunista do Brasil) e
Unegro (União de Negros pela Igualdade), (Alberti; Pereira: 2007) constituiu-se
a doutrina de “uma gota de sangue à brasileira”. Foi inventada a identidade do sujeito negro
político. (Risério:2007), (Munanga:2008). Gerando diversas leituras sócio -
econômicas e culturais: a) Como implantar uma cópia estadunidense das relações
raciais, ou seja, um olhar: negro e branco da sociedade brasileira? b) Quais as
garantias que a cor da pele assegura a identidade cultural? c) Como constituir
uma etnicidade negra em um contexto de forte de servidão, subserviência e
assimilação cultural continua? d) Que
tipo de dialogo este novo negro e afrodescendente desenvolveu com a cultura de
matriz africana? Este é o quarto ponto.
É de mérito do MNU e UNEGRO entre outras entidades
chamadas comumente de movimento negro. Nos dias de hoje, a constituição e
invenção da identidade negra como sujeito político; a fim de fazer frente o
discurso da democracia racial (Costa: 2007). De tal forma que, movimentar,
oscilar as relações raciais, onde o mulato se afirmava como branco em uma
sociedade de identidade fixa, onde a mobilidade socioeconômica significa também
um passing social, isto é, um rito de passagem para tornar-se branco. (Risério:2007).
Ao contrário do Brasil, nos EUA onde uma gota de sangue negro constitui a
identidade cultural negra como salienta Kabenguele Munanga em “Rediscutindo a
Mestiçagem” na caracterização da hipodescendência. (Munanga:2008),
(Risério:2007).
A assimilação cultural, a negação de si mesmo; como
traços identitários, isto é, língua cultura e religião. A discussão sobre a afirmação da identidade
cultural brasileira das populações de origem negra africana, então,
escravizadas no Brasil durante três séculos é nova. Os anos 70 serviram de
paradigma para a assunção de identidade do sujeito negro brasileiro. Portanto, pergunta-se. O que dizer do esforço
da população afrodescendente brasileira em branquear-se? Seja no modelo de
comportamento, seja nos usos e costumes. Qual a contribuição de um negro e/ou
afrodescendente brasileiro praticante de uma religião pentecostal e
neopentecostal que entende as religiões de matriz africana como algo do
demônio? Quem é este afrodescendente brasileiro? O que fez com sua cor? Que fez
com sua cultura? Qual a sua posição social?
Caetano Veloso em Haiti fala em “quase brancos e
quase negros”. O branqueamento diluiu a idéia de identidade fixa para o negro
tanto quanto para o branco; e por este entre outras razões o conceito de
afrodescendente cunhado por Marli Geralda tenha a importância histórica na
formação/construção identitária do africano uma vez escravizado nas
américas. De tal forma que, este sujeito
foi estimulado, educado, preparado a ser quem não o é. A ser um outro sujeito,
que irá cristalizar-se por todo tempo em silenciar-se no assunto que toca a cor
da pele e assuntos afins; dissimular a denominação da cor da pele, religião e
do seu existir como um todo.
A ideia de
identidade fixa do negro baiano tem se esvaído historicamente; uma vez que este
tem se desmembrado de sua cultura. Neste processo a cor da pele ficou, contudo
este sujeito já é outro; tornou-se alguém que vive continuadamente em processo
de assimilação, e subordinação. Isto é,
neste desejo de incluir-se do ponto de vista sócio – econômico e cultural; a
fim de ser aceito pelo o outro, o branco. De maneira que, a cor da pele deixou de ser uma garantia
de identidade cultural entre negros, brancos e afrodescendentes baiano em
sujeitos que oscilam no que diz respeito a sua identidade cultural e pertença
cultural.
A intolerância religiosa praticada pelas religiões
pentecostais e neopentecostais coloca
em dúvida a liberdade de credo da constituição brasileira. O racismo cultural
persegue, marca, estigmatiza os praticantes das religiões de matriz africana.
Demonizando as divindades afro-brasileiras, e, ao mesmo tempo, convertendo o
negro e o afrodescendente soteropolitano em um outro sujeito com o discurso
contrário à sua herança cultural. Eis a questão da subalternidade.
É preciso entender ser negro não é uma garantia de
ser militante do movimente negro. A cor da pele não diz tudo por que o processo
de inferiorizarão e assimilação cultural. Este sujeito esvaziou-se e passou a
ser outro. A cor da pele ganhou uma nova roupagem e múltiplos sentidos. O que
se deseja dizer com isso? Ser negro não é uma garantia de ser praticante de
alguma religião de matriz africana. Qual é a contribuição que um líder
evangélico negro e afrodescendente dá a questão racial, quando (re)produz o seu discurso é de intolerância religiosa de
construção e de reprodução de preconceitos. Como acreditar neste negro? Como
este negro pode contribuir para a formação de uma etnicidade que auto afirme a
origem do sujeito, que, de outra forma, este nega. Qual a contribuição de um
líder político negro que não trata da questão da negritude? Ela se encontra no
poder, mas a cor da pele diz alguma coisa: “Ele é negro” do ponto político,
histórico e cultural?
IDENTIDADE E PERTENCIMENTO
Esta parte do artigo tem como propósito
discutir os seguintes pontos: 1) A cor da pele e suas possíveis interpretações
do ponto de vista individual e do ponto de vista coletivo; 2) As estratégias do
branco em participar do mundo afrodescendente e dizer-se pertencentemente do
mesmo; 3) A afrodescendência cultural: negá-la ou afirmá-la em contextos de
interesses de deslocamentos identitários e de grupo como interpretá-los? (Hall:
2003; 2004).
A ideia de
pertencimento se aproximou a cor do sujeito e a sua ascendência. Isto é, do ponto de vista histórico o branco
não é afrodescendente. O inusitado é o desejo do branco em sê-lo; seja por interesse em si inserir em
atividades culturais que representem de forma objetiva e subjetiva a cultura
afro-brasileira; como também do seu controle socioeconômico e cultural; seja por interesse pessoal de deslocamento de
pertencimento de grupo; seja na busca de sua identidade, que por
muito tempo foi negada e agora se faz de bom tom assumi-la; assim como por uma
herança biológica que se assume em um contexto favorável a esta assunção de
identidade.
VELHOS OU NOVOS BRANCOS E OS AFRODESCENDENTES
Quem é
branco e quem é afrodescendente neste contexto contemporâneo soteropolitano?
Eis um questionamento que cada vez mais apresenta um quadro complexo para tal
resposta. Criar uma taxonomia da cor
seria uma solução? Esta interpretação perpassa por dois caminhos: o primeiro é
a do eu. Como o sujeito se entende na realidade baiana, no que tange a cor de
sua pele? Ele se sente branco ou ele se sente afrodescendente? A segunda é como
enxergamos e entendemos, quando um sujeito afirma afrodescendente ou ainda diz
o contrário, ou seja, é branco. Este é primeiro ponto.
A ideia da
cor de pele dizer alguma coisa se encontra mais diluída no cenário afrobaiano.
Se fosse promulgada a lei One-drop rule em Salvador - Bahia, teríamos um grande
problema a enfrentar. O IBGE (Instituto Brasileiro de Estatística) informou que
a população em Idade Ativa por cor ou raça, segundo cor e raça em setembro de
2006, que a população branca de 17,5%, enquanto a população preta/parda era de
82,1%. Considerando a população branca e os seus traços fenótipos, textura de
cabelo, formato do nariz, espessura dos lábios, concentração de gordura nas
nádegas entre outros aspectos do ponto de vista biológico; bem como as
patologias como Anemia Falciforme, Glaucoma entre outras enfermidades que acomete
a população afrodescendente. De maneira que, todas as questões as relações
raciais estariam resolvidas. Todos são afrodescendentes do ponto de vista
biológico, contudo nem toda a população não tem a epiderme denominada negra.
Assim sendo, do ponto de vista sociológico, temos: brancos, afrodescendentes e negros,
mesmo sabendo que as linhas de fronteira do que venha a ser branco tanto que a
ser negro seja tênue. Eis que, entre um e o outro se encontra escravidão,
colonialismo, racismo biológico ou cientifico, institucional e cultural.
(Risério: 2007), (Wieviorka: 2002), (Banton:1979), (Gobineau:1940), (Firmam:1885),
(Santos: 2010), Hall: 2003; 2004), (Boxer: 2001).
Para além
disso, as relações raciais, sócio raciais e sociais. Quem quer ser
afrodescendente com toda esta carga simbólica histórica muito bem construída
pelo conceito da Historiadora Marli Geralda Teixeira? Esta pergunta não é feita
para militância que sabe muito bem assumir-se e defender-se com discurso pronto
para tal embate. Esta fala é para que a militância reflita que este discurso se
encontra longe da população afrodescendente que é alvo diário do racismo
biológico construído no século XV. E, ao mesmo tempo, se encontra perdida neste
emaranhado de discursos e jogos de linguagem ideológicos onde o mesmo não se
encontra; ou quando o faz, isto é, se reencontra e não se aceita. (Boxer:2001), (Banton:1977).
O BRANCO BAIANO: A AFRODESCENDÊNCIA CONTROLADA
DO PONTO DE VISTA SOCIOECONÔMICO E CULTURAL.
Não há
espaços brancos que só os brancos podem entrar nem tão poucos espaços onde os
negros possam permanecer. A ideia de Apartheid com os devidos distanciamentos e
aproximações de ser refletido. 1) Não há uma igreja só para afrodescendentes. Não há um supermercado só
para afrodescendentes. Não há um estádio de futebol espaços apenas para
afrodescendentes. Não existem restaurantes somente para afrodescendentes nem
tão poucos hospitais; assim como bancos e escolas, ou ainda, universidades.
Há separação se constitui no poder econômico
de cada sujeito ou de cada família na qual os sujeitos estão inseridos. O
recorte social é que vai delimitar a ocupação do espaço. Este, sim, vai dizer
que pertence a este grupo e que não pertence. Esta é a primeira delimitação;
isto é, através da classe social. A segunda delimitação é o branqueamento.
2) O
branqueamento tornou-se desde de sempre uma forma de dizer que sou
afrodescendentes, mas não pertenço àquele universo seja cultural, seja social;
ou ainda sou afrodescendente, quando pretendo ser, por esta ou aquela intenção.
Os bens de consumo passaram a representar a linguagem simbólica de dizer que
não se é o que se apresenta ser. Ainda não se auto afirmou uma classe média
afrodescendente que fizesse o consumo de sua própria herança cultural sem a
mácula dos racismos: biológico, institucional e cultural. O afrodescendente esforçar-se em negar-se
tanto do ponto de vista biológico quanto histórico-cultural. (Miles: 1989;
1993), (Wieviorka:2002).
Em movimento contrário, o branco assume a
capoeira como pratica desportiva, o candomblé como religião e salienta a sua
herança biológica. Do mesmo modo, o tabuleiro da baiana do acarajé entre outros
quitutes sofreu uma apropriação de grupos neopentecostais, que denominou o
acarajé de “bolinho do irmão”. Isto quer dizer, para além da prática do racismo
cultural, houve uma desfiguração do Patrimônio da Cultural Imaterial tanto do
ponto do eidos quanto do ethos[4].
Eis a diferença. O branco não carrega
todo o peso da “porão e da senzala” e da “negação e do conflito”; isto é, do
colonialismo, da escravidão, dos preconceitos e dos racismos. Isto de alguma
forma, esvazia a sua representação sócio histórica. O branco passa a participar
de um mundo e não percebe ou compreende todo o peso de sentido e da linguagem
sócio antropológica que lhe é imposto e/ou tira proveito deste contexto. As
ideias de resistência como outras ideias se esvaem; uma vez que este não é tratado
como sujeito menor na sociedade, onde este se encontra. Trata-se de uma questão
de capital.
3) As
válvulas de movimentação social, a escola pública ainda é um espaço racista.
Eis mais um problema. A escola não tem construído mobilidade social. A promoção
da igualdade passa pelo espaço escolar.
A escola tem dado o título, mas não tem permitido ao escolar a
apropriação de conhecimento significativo na formação de sua identidade,
pertença de grupo; a fim de que os sujeitos afrodescendentes ascendam
coletivamente na sociedade. De maneira que, este atue como grupo político,
ideológico e sociocultural. O afrodescendente vai encontrar no desporto a
possibilidade de ascender socialmente; todavia esta ascensão é do ponto de
vista individual e não coletiva. Este é o segundo ponto.
O controle
das estruturas ideológicas e repressivas se encontram em mãos do branco
soteropolitano (Althusser:2007). Este
17,5 % registrado pelo IBGE em 2006 na
cidade se Salvador controla a maioria afrodescendente. Esta é a contradição
colonialista que ainda se encontra em pleno contexto contemporâneo. Se
construíssemos um pêndulo para interpretar as movimentações político ideológica
das relações raciais em Salvador – Bahia, este se movimentaria com muita
dificuldade para o que se chama de descolonização; entre três categorias: colonização,
descolonização e pós-colonial. O afrodescendente ainda tem sido visto como
força bruta de manejo fácil. A leitura marxista do afrodescendente introduziu-o
na categoria trabalhador, assalariado, proletário; contudo não tem o
compreendido como raça do ponto de vista político, e sim, como classe tão quão,
ou ainda, diferentes dos brancos que como se ambos fossem iguais e tivessem
história iguais na formação do Brasil colonial, na descolonização e nos pós
colonialismo. O branco vai à frente no controle social e expectativas perante a
vida? O afrodescendente se encontra a
reboque nesta condução. Será que
permanece a máxima que o branco trabalhador; e o afrodescendente é preguiçoso
nas subjetividades dos discursos entre brancos e afrodescendentes? De tal forma
que, os discursos (neo)coloniais se perpetua nos dias de hoje?
Três
questões: a primeira diz respeito à movimentação feita pela afrodescendência
através de partidos políticos no sentido de construir a sua mobilidade
social. A segunda é a falta de coesão e
entendimento da própria militância em construir um discurso uniforme para
construir as bases de movimentação ideológica. A terceira é preciso entender
que o racismo não tem partido político seja este ou aquele. O discurso da
manutenção do poder em mãos de brancos; e as ideologias de branqueamento
modelam a afrodescendência para pensar, planejar e agir como peça da
engrenagem; quando este não o é. Este ainda se encontra no colorido fantástico
da paisagem carnavalesca.
AFRODESCENDÊNCIA POR INTERESSE PESSOAL DE DESLOCAMENTO DE
PERTENCIMENTO DE GRUPO
Percebe-se
que esta desconfiança sempre existiu, contudo nunca se expressou com tal
vivacidade como no contexto da modernidade. A ideia do branco solidário é
antiga. A novidade é questioná-lo e negá-la. Nas relações raciais, o espaço
branco sempre foi bem demarcado, todavia o espaço afrodescendente não se
permitiu garantir de forma integral; uma vez que nas relações sócio – raciais a
afrodescendência baiano negociou em uma relação de mais perdas à ganhos. Dizer
que há comunidades afrodescendentes é fácil. Dizer que há etnicidades
afrodescendentes cria alguns problemas. O que há diferente entre um conceito e
outro? O primeiro – comunidade – diz respeito ao que há em comum a todos. O
segundo – etnicidade - revela a qual
grupo de pertença ou grupos de pertenças o sujeito se insere e nele é aceito. (Bauman:
2003), (Poutignat; Streiff – Fenart: 1997), (Bacelar: 1989), (Sansone:2004).
O padeiro branco enriquece com o dinheiro
afrodescendente. O pão é comum a todos. Por exemplo: o padeiro pode até
contratar estrategicamente alguns afrodescendentes para dizer que não é
racista. Eles atendem no balcão. Fazem a massa. Vendem o pão e tudo parece
normal. A comunidade come do mesmo pão, todavia a etnicidade do ponto de vista
da cor da pele enriquece o diferente. Eis a questão do terceiro ponto.
Os
telejornais de Salvador que são (re)produzidos em todo o Estado da Bahia atuam com o padeiro que enriquece
vendendo pão para a população afrodescendente[5].
Há possibilidades de interpretações são pelo menos duas. Estas são as mais
fortes. Uma parte da comunicação social soteropolitana prática racismo. O 21º
Encontro Ibero – americano de Afrodescendentes declarou Salvador a capital
negra da América Latina. Pois, então, onde se encontram os 82,1%, segundo o
IBGE em 2006 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de
afrodescendentes baianos na apresentação dos programas locais? A relação é a
mesma do padeiro branco sendo enriquecido pelo afrodescendente. A segunda
interpretação é a ideia que a relação é de classe e não de raças. É de bom tom
perceber que não se trata de uma coisa só; isto é, racial, social e sócio racial
em todas estas categorias o afrodescendente é marcado como sujeito menor; mesmo
que este numericamente seja maior. Uma parte significativa dos empresários da
comunicação não apenas são racistas, como também são capazes de construir uma imagem
e linguagem, onde o sujeito afrodescendente é alguém inferior de fácil de
manejo e que não é digno de ocupar tal lugar.
Toda
esta discussão sobre “ consciência negra”, já faz parte do “ porão e da
senzala”; bem como da “negociação e do conflito” como salienta Marli Geralda
Teixeira. se encontrava em processo nas
relações raciais. As questões relativas sobre a cor da pele. A ideia
de consciência de pertença de grupo radicalizado, onde os primeiros
ensinamentos sobre preconceito de discriminação perpassam no ambiente familiar,
sobretudo, pelos ensinamentos da mulher afrodescendente.
A
impressão que passa é que artistas brancos estão imunes à ideia de
pertencimento por interesse pessoal. Pode-se dizer mais, quando estes artistas
iniciaram a cantar, escrever, pintar, esculpir, encenar o homem e a mulher
afrodescendente, não existia de forma concreta a discussão das relações raciais
do ponto de vista político e de gênero no que tange o homem a mulher
afrodescendente. A apropriação do temário parecia um favor dos artistas para os
invisíveis. De maneira que, ninguém iria questionar a cor da pele dos sujeitos
e o temário que estes associavam a sua produção artística. A ideia de “Tarzan”
ou de “Super Homem” era no mínimo bem aceita. Cantar aquilo que tinha em sua
essência algo de incompreensão e racismo cultural parecia bondade, apoio e a
lembrança de seu existir. A sociedade era regida pelas lutas de classes e no
seu bojo a democracia e a liberdade de expressão. A questão racial não se
encontrava da agenda política, econômica, social e cultural desta população; e
ao que parece, terá dificuldade de ser fato social principal desta agenda.
Nenhum artista baiano branco gostaria de ser
chamado de racista, entretanto muitos o são. Quando não só praticam racismo
cultural, isto é, inferiorização, depreciação de uma forma da expressão da
cultura em detrimento da outra; mas também exercitam racismo biológico às
avessas, ou seja, assume-se negro para viver estrategicamente desta
condição. A novidade é a negação desta
pertença de grupo.
É lucrativo
fazer parte da negritude em Salvador - Bahia sem ser essencialmente afrodescendente
ou ter a cor da pele negra. Uma das fortes imagens para que vem a Salvador –
Bahia é o racismo. De um lado, a população branca ocupando os espaços
privilegiados da sociedade e; do outro, a população afrodescendentes na beirada
social. Quem quer assumir a condição de algoz? A primeira coisa é culpar o
europeu, mas este europeu tem nome: o português, entretanto o branco que ficou
não alterou as relações, não criou condições de inclusão da maioria da
população afro-baiana. A exclusão é fato predominante nas relações raciais.
Como culpar o branco de fora sem responsabilizar o branco que se encontra nesta
cidade? Eis a questão.
Dizer-se
negro, ao mesmo tempo, ser branco e não ser racista; ou culpar o
afrodescendente por um comportamento subalterno. É um fato social. Esta é uma
das estratégias costumeiramente usadas pelos brancos na afirmação de seu
pertencimento. Muitas universidades também estão seguindo o modelo. O professor construído com uma mentalidade
racista tornou-se africanista de um passo para o outro. Controlou as linhas de
pesquisa. Escolhe o afrodescendente para que estes andem ao seu entorno; a fim
de que a sua condição de afrodescendente seja aceito pelo outro. Isto é,
estudante do nível superior racializado e professor do nível superior racista
não mais são inimigos se encontravam em trincheiras opostas; e agora, se
encontram na mesma trincheira para a sobrevivência de ambos. O que se coloca em
questão é este forjar no stritu sensu é
para reproduzir conhecimento que por muitas vezes também o é racista? Isto é,
não construir um sujeito autônomo na produção do conhecimento? Este forjar
responde as demandas de inclusão, contudo será que inclui o sujeito no mercado
de trabalho que tanto almeja na sua carreira acadêmica? Ou ainda, este forjar
atenua as pressões da militância, entretanto não se efetiva; uma vez que neste
contexto de modernidade tardia os valores os sociais que são dados ao stritu
sensu já estão o prazo social e cultural vencido, onde construção de
conhecimento cientifico e construção de inclusão social e cultural não se
encontram nesta ordem?
CONCLUSÃO
Este artigo tem como intenção contribuir para
a discussão de tal tema. Para tanto; algumas questões se encontram
propositadamente em aberto no intuito de provocar, promover, criar o espaço necessário
para algumas discussões, reflexões e possíveis conclusões sobre os tópicos
levantados. E, do mesmo modo, demonstrar a extensão e complexidade das relações
raciais, identidade e grupo de pertença.
É de bom tom observar que com toda a
ambivalência que possa vir a existir nas identidades e grupo de pertença no que
se refere ao negro, a afrodescendência ao branco na cidade de Salvador – Bahia
aquilo que se percebe é a sombra do colonialismo sobre a formação de identidade
e etnicidade desta população.
i)
Há de se concluir que as categorias negro e
afrodescendente se encontram em processo de distanciamento no que tange os seus
sentidos e significados. A primeira – negro – pode depreender; que este representa na diacronia linguística a
denominação corrente mais adequada na literatura sócio antropológica do século
XX[6];
ao tempo em que, esta categoria é adicionado a também de um reforço importado “
e não traduzido” do “black” estadunidense, diferenciando do preto[7]
cunhando no colonialismo[8];
contudo há uma generalização deste sujeito, possivelmente do continente
africano, se existem populações fora da África que são de cor de pele negra,
por exemplo: Papua Nova Guiné; logo ser negro não significa ser africano.
A
segunda categoria é afrodescendente. Esta territorializa tanto do ponto vista
geopolítico como do ponto de vista geolingüística, e por fim, as culturas e
práticas religiosas, de maneira que, pode-se identificar a origem destes
sujeitos.
Do mesmo modo, a Conferência
Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância
Correlata, que ocorreu em Durban na África do Sul em 2001. Esta conferência serviu
de paradigma para as políticas públicas de promoção da igualdade racial no
sentido de incluir a discussão sobre as relações raciais ocupassem os espaços
políticos[9].
A partir de tal conferência; a denominação afrodescendente brasileiro passou de
forma expressiva ser usado nos discursos do Estado brasileiro, seja do ponto de
vista do município, dos estados, bem como do governo Federal. A produção de
documentos oficiais como também no discurso acadêmico especializada em
contraposição a categoria negro. Vale ressaltar o livro de Ricardo Franklin
Ferreira já sinalizava em 2000, desde o seu título: “Afro-descendente Identidade em
Construção” com esta publicação. O autor sinaliza o transito de
assunção de identidade do afrodescendente, onde perpassam, submissão, revolta e
negociação.
ii) Segundo,
um outro aspecto que deva ser interpretado é o esvaziamento da uma cultura
afrodescendente brasileira do ponto de vista de seus sentidos e significados.
Isto é, a herança de culturas africanas, sobretudo, àquelas oriundas de países
do oeste africano como por exemplo: Nigéria, Benin, Togo e etc; bem como
aqueles da região de Culturas Congo-Angola, e, por fim a (re)construção dentro
da perspectiva do/no “porão e senzala” e da “negociação de do conflito”. De tal
forma que, por força de interesses (neo)liberais e controle sociocultural por
parte da população branco.
Para além do controle
econômico, há também um domínio político instituído/constituído através da fé;
sobretudo pelas representativas igrejas neopentecostais; que através da leitura
bíblica é construído, discursos, interpretações e ações de intolerância religiosa
para com as religiões de matriz africana; reproduzindo o pensamento
pseudocientífico de Gobineau no século XIX, e da Escola Italiana de
Antropologia Criminal de Lombroso, Ferri e Garofalo, tendo no Brasil como maior
representante Nina Rodrigues. Do mesmo modo, pode-se entender estas ações como
modelo de conversão com o intuito do aumento de fies, e, por via de
consequência; o aumento da arrecadação de dízimos; como também maior poder de
barganha nas negociações políticas, que os crentes votos capazes de eleger os
seus líderes políticos. (Gobineau:1940), (Ilharco:1943), (Rodrigues:1894;1935;1935)
Esta apropriação, mutilação, contorção,
deformação, destruição se expressa através preconceito, discriminação e
intolerância as práticas culturais oriundas da matriz africana; isto é; existe
uma vigilância normativa no que diz respeito as formas de ser estar e, por
consequência, uma corrosão do que venha ser afrodescendente brasileiro na sua
essência. Uma vez sendo assim, compromete-se o que se entende por eidos e ethos
e os possíveis sentidos e significados culturas africanas no espaço
soteropolitano; o que se percebe é que as práticas religiosas e culturais
deveriam se associar e pertencer ao afrodescendente brasileiro, entretanto tem
se descolado para outros sujeitos de cor de pele diferente ao mesmo.
iii)
Terceiro, há
um impasse nas/das movimentações ideológicas, a permanência de um ideal (neo)colonial
em contexto de modernidade tardia, onde os formatos do capitalismo destas
sociedades ainda mantem uma possível leitura das relações de subalternidade. De
tal forma que, cristalizou-se uma relação de submissão da população
afrodescendente, pobre e de baixa escolaridade[10].
Isto é, se a escolarização é baixa, as
possibilidades de movimentação ideológicas de forma concreta se encontram
comprometidas. De outro modo, ao que parece, as relações se encontram no campo
da força[11],
da brutalização do homem e da legitimação da heteronomia moral nas relações
interpessoais entre afrodescendentes e brancos. E, por fim, cria um ciclo
vicioso onde a manutenção do controle social, cultural e econômico se encontra
indeterminadamente em mãos da população branca. (Torres: 2006; 2008), (Giddens:
1972; 1994;1991), (Quijano:2000), (Freire:1995; 2005), (Piaget: 1994; 1996).
Este artigo, por fim, é um texto inicial sobre as
relações raciais, identidade e grupo de pertença. As questões tratadas não se
esgotam, muito pelo contrário, são colaborativas. Elas têm em sua natureza a
inquietação da temporalidade e das interferências do ser humano nas relações raciais,
sociais, culturais, políticas e econômicas.
Há de se continuar esta investigação no sentido de verificar quais são
os percursos na construção da identidade cultural e etnicidade no que se refere
à afrodescendência brasileira com o intuito não apenas de combate ao
preconceito, ao racismo, mas também construir/instituir linguagens no sentido
descolonizar as mentalidades com o intuito de construção de cidadania plena.
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[1] Mestre em Estudos Culturais – UFP.
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[2]De acordo com a historiadora, Marli Geralda Teixeira (2010) o conceito
de afrodescendente pode ser pensado em três momentos: o sujeito afrodescendente
bio-paleontelógico, ou seja, todo sujeito é afrodescendente, seja ele branco ou
negro. Esse conceito de afrodescendente tem como propósito desconstruir muitos
discursos que de forma subjetiva constrói uma falsa democracia racial. Isto
porque, todos são descendentes de africanos não teria como haver discriminação
racial. O segundo conceito proposto por Marli Geralda Teixeira é a de o sujeito
afrodescendente moderno que diz respeito do século XV em diante, seja na África
pré-colonial, colonial e pós-colonial, assim como no Brasil colonial e
pós-abolição. Isto é, sujeito que sofreram um processo de aculturação e/ou
branqueamento tão sistemático que restou só a cor da pele, e não, uma relação
de pertencimento com a matriz cultural africana. Este último, o sujeito
afrodescendente brasileiro contemporâneo, não tão menos importante, diz
respeito ao Brasil, especificamente, a partir de 1960, onde, por influência
estadunidense, a afirmação da identidade cultural tem-se feito através de
modelos aplicados nas políticas raciais nos Estados Unidos.
[4]
A. L. Kroeber desenvolveu a dicotomia profundidade e superfície do ethos
– eidos como correspondente à relação estrutura social - organização social, de Radcliffe – Brown:
pelo que nos ensinaram, eidos de uma cultura “seria sua aparência, seus
fenômenos, tudo sobre ela que se possa descrever de forma explicita” a
realidade oculta, mais profunda, que dá à superfície fenomenal sua consistência
e regularidade, é o ethos, “qualidade total” da cultura que, a um só tempo,
resume “aquilo que constituiria a disposição ou o caráter de um indivíduo” e o
sistema de ideias e valores que dominam a cultura, e portanto tendem a
controlar o tipo de comportamento de seus integrantes”. (BAUMAN: 2012).
[5] Não há uma política econômica de segregação
positiva na formação de um empresariado afrodescendente baiano intencionalmente
construído. Isso quer dize que o negro e afrodescendente baiano não escolhem a
cor do sujeito com o qual este compra seus produtos de consumo, seja bem
durável ao pão e o leite cotidiano. Com isso, são mantidos as estruturas
econômicas de controle e os jogos ideológicos que estas implementam. Por
exemplo, a indústria de cosméticos criou produtos de beleza específicos para
atender a demanda reprimida de negros e afro-baianos, entretanto a criação de
identidade se faz através do enriquecimento do branco, e não do afrodescendente.
[6] Pode-se verificar de maneira geral
uma série de denominações para o africano – escravizado. As denominações do
Brasil Colonial como por exemplo: peça e preto; assim como negro. Este último
passou a ser usado pela a literatura especializada – Antropologia, Sociologia e
Política – no século XX.
[7]
A
classificação de “cor ou raça” empregada pelo IBGE em suas pesquisas, ao
contrário do que alguns pensam, não foi inventada por burocratas, tendo mais de
um século de história. No século XIX, o vocabulário étnico e racial era muito
mais elaborado e diversificado do que o correntemente empregado. Tomando, por
exemplo, termos empregados por Nina Rodrigues (1988) e presentes nas seções de
jornais analisadas por Schwarcz (1987), constata-se que há termos que são
relacionados à posição no sistema escravocrata: escravo, peça, liberto, livre e
forro. Esses termos podem aparecer como substantivos ou como adjetivos, como em
“preto forro”. Outros termos dizem respeito à origem étnica, compreendendo
fula, nagô, angola, mina, entre outros; esses também podem aparecer como
substantivos ou como adjetivos (“preta mina”, etc.). Há também os termos que
designam vários tipos de mestiçagem: crioulo, mulato, caboclo, cafuso e
mameluco. Finalmente, há os termos mais relacionados às variações da cor da
pele: negro, preto, pardo, branco, retinto, azeviche, oviano, cor retinta.
Cores esdrúxulas, como a “cor tostada de lombo assado” já eram empregadas.
(IBGE: 2006).
[8]
O emprego
dos termos de cor torna-se particularmente interessante nas notícias de fugas
de escravos publicadas em classificados (Schwarcz, 1987). Nessas, a necessidade
de caracterizar bem o fugitivo para que pudesse ser identificado a partir do texto
leva à elaboração de cores compostas, com outros termos de cor definindo
nuanças, ou com outras categorias de termos étnico-raciais: pardo quase branco,
preto retinto, cobre azeviche, preta de angola, crioulo bem preto, etc. As
descrições frequentemente acrescentavam à cor outras características físicas,
como altura, compleição, cor e tipo dos cabelos, presença de barba, bem como
eventuais marcas deixadas pelos diversos castigos que eram infligidos aos
cativos. Acrescentavam também a idade, precisa ou aproximada por categorias
como moço, moleque, velho; e também informações sobre caráter, temperamento, e
habilidades pessoais, como o domínio de artes e ofícios, da escrita, da leitura e da aritmética. (IBGE:
2006).
[9]Com a criação da identidade
do negro sujeito político; não significou a assunção do mesmo no poder em
Salvador. O voto negro é decisivo por ser maioria; no entanto; a) Muito do
racismo biológico é mantido de forma subjetiva e objetiva nos discursos de
inferiorizarão e confiança social do afrobaiano; b) O formato de escolha dos
candidatos a cargos no legislativo como no executivo ainda funciona à sombra do
modelo colonial onde as lideranças são escolhidas através da cor, do poder
econômico; c) O negro e o afrobaiano não voto no negro. Por que a cidade de
Salvador não elege um refeito negro? Um senador negro? Um grupo e deputados
estaduais e federais negros? Será que os partidos políticos praticam racismo
institucional? Será que o projeto de identidade política não uma identidade
partidária? Será que a idéia de identidade fixa necessita ser compreendida como
identidade em movimento no contexto pós - moderno?; d) Não se entende por que
motivo o dia 20 de novembro é comemorado em Salvador por duas entidades, com
duas passeatas: uma ligada ao PT (Partido dos Trabalhadores) e outra PC do B
(Partido Comunista do Brasil) como se para existir como afrodescendente baiano
tivesse que optar por uma destas siglas partidárias. Ser afrodescendente baiano
daqui. Ser afrodescendente baiano de lá. A cor da pele tem que ter partido
político?
[10] A escola pública em
Salvador Bahia, onde se concentra a maior parte da população pobre negra e
afro-baiana, vive a realidade de professores afrodescendentes na cidade de
Salvador em sua grande maioria, entretanto o que se vê é um discurso de luta de
classe, diferente do discurso racialista, e ao mesmo o sucateamento do
educador, o desestímulo e a síndrome de desistência laboral – burnout (Codo:
2006). Por que o professor negro não cuida do estudante negro? Por que o
estudante negro conclui tão mal o 2º grau em escolas públicas estaduais chega
ao vestibular com pouca competitividade de alcançar uma vaga nos cursos de
prestigio social? Por que esta pratica continua de inferiorização do sujeito
negro e do afrodescendente baiano no ambiente escolar?
[11] Por que a Polícia Militar formada em sua grande
maioria por homens e mulheres afrodescendentes baianos pratica certa violência
reproduzindo a relação capitão do mato e escravo fugido? Por que as polícias
mantêm uma relação de desconfiança com o sujeito afrodescendente baiano
independentemente de sua classe social? Será que em sua preparação há uma
preparação, uma pedagogia contra o afrodescendente baiano? Será que a polícia
ainda mantem uma mentalidade colonial: senhor e escravo?
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