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Por uma Educação Necessária: a marginalização do escolar




Domingos Oliveira de Sousa[1]





Passei cerca de 14 anos em só uma escola pública; antes disso eu trabalhava em escolas particulares. Cheguei com o entusiasmo e ritmo de professor de escola particular. Em menos de uma semana, percebi que naquele espaço nada funcionava como eu imaginava. Sabia através de relatos de alunos de cursos preparatórios que a escola tem uma deficiência em cumprir todo o conteúdo programático proposto para o ano letivo. Nada obriga ao professor/a trabalhar o conteúdo por completo.



Isto de fato cria um contexto extremamente perturbador para o estudante, ou seja, ela avançava no ano letivo, contudo não foi visto o conteúdo, que ele deveria estudar durante aquele ano letivo.  O/A estudante termina o ensino fundamental sem saber construir um parágrafo, sem saber ler, bem como sem saber escrever com a devida pontuação; muito menos interpretar um texto, ou ainda correlacionar com a sua realidade entre outras realidades possíveis.



Enfim, o tempo passava e o estudante pouco aprendeu. Não havia uma responsabilidade no que deveria ser feito.    Muito certamente por esta razão os professores/as não colocam seus filhos/as nas escolar que trabalham de tal forma que cabe ao ensino privado a educação formal de professores/as de escola pública. Esta é a marginalização do escolar.



Iniciei meus estudos em relações raciais a partir das observações, pesquisas e reflexões sobre a discriminação racial, o espaço e a cultura local, a partir desta unidade escolar. Muito da ideia de colonialid de Anibal Quijano se encontra nas práticas cotidianas. Em certos momentos, percebia-se a reprodução do espaço doméstico no trato com as/os funcionárias/os. Isto se estendia aos estudantes, que eram descritos pela cor da pele, textura dos cabelos. O nome não era algo principal.



Com o advento das cotas raciais e sociais, o discurso racista ganhou relevo e a prática do não ensinar tornou-se rotina. O/A estudante de escola pública tirou da zona de conforto os/as filhos/as dos/as professores/as das escolas particulares. Esta movimentação no sentido de incluir muitos excluídos possibilitou perceber a negativa curricular inclusiva por parte dos/as professores/as. Este é o desafio: transformar professores racistas em sujeitos moralmente autônomos. 



Havia entre os/as estudantes uma dificuldade em assunção da identidade cultural. Em uma sala de aula com cerca de 30 escolares, onde todos eram afrodescendentes existia uma espécie de taxonomia da cor, onde o/a estudante afrodescendente mais claro é branco e o mais escuro é o negro. Esta é a questão o/a estudante negro passava a ser discriminado/a como se fosse único naquele espaço. Para além disto, a reprodução do discurso contra as cotas raciais estava na ponta da língua, bem como apenas 10% dos escolares de três salas pesquisadas tinham a pretensão de fazer, mesmo este sendo gratuito para estudante de escola pública.



Percebi também que os/as professores tinham um entendimento de ser classe média, isto de alguma forma lhe davam a estatura de brancos/as. A construção de um grupo de pertença desta natureza não era validado pela cor da pele, e sim, pelo poder de consumo. Duas conclusões, a primeira é que havia professores/as afrodescendentes racistas, a segunda que neste contexto a cor da pele pouco garantia, a marcação do preconceito e discriminação racial servia da marcação da diferença social e racial.



[1] É Professor da Educação Básica Salvador/Bahia. Mestre em Estudos Culturais UFP/PT.

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