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O voto, a diversidade e a ” confiança social”



Domingos Oliveira de Sousa[1]

Imagine se todas mulheres da Bahia resolvessem apoiar somente mulheres? Imagine se todas as mulheres da Bahia não quisessem votar em homens? Isto também vale para portadores de necessidades especiais; para os homens afrodescendentes e os LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros). A ideia da representatividade e participação é importante que aconteça na política, mesmo nos espaços políticos que se encontram aprendendo a ser democrático. Em certos momentos, percebe-se que a democracia em que vivemos é incipiente. Esta condição de algo que está por vir acontecer. Por isso, é necessário não repetir, não reproduzir modelos de falsos democratas.

É de bom tom que o/a eleitor/a seja   respeitado/a e representado/a.. Quando um partido político não compreende essa dimensão daquilo que venha ser diversidade na política. A impressão é que ainda não saímos de uma relação oligárquica, onde famílias controlam o poder político através do poder econômico, bem como o poder da comunicação social e, por fim,  do poder  jurídico. Eis a questão. a mulher branca, o homem e a mulher afrodescendentes estão subalternizados pelo homem branco.

Acompanhei a campanha de um candidato a vereador e em seguida de uma candidata a deputada estadual. Percebi, no primeiro. A falta de organização na campanha do candidato. As reuniões eram superficiais e pouco objetivas. Este foi o primeiro ponto. Entendi também que a campanha ocorria através de reuniões onde geralmente era servido alguma comida, ou seja, “uma feijoada”. A ideia era reunir um grupo de pessoas com a finalidade de eleger o tal candidato. Eis as adversativas. Havia uma desconfiança sobre o candidato. Isto é, não havia confiança social[2]. A percepção que fui construindo, a partir dos momentos nos quais as feijoadas se sucediam era que o candidato não transpirava confiança social para os seus pares, assim como para o eleitorado que era descortinado.

Esta não era uma avaliação minha, e sim, as observações, e interpretações anotações que fiz durante os dois períodos. A denominação de confiança social é um conceito que pode a vir desenvolver-se. A desconfiança do candidato de forma geral. O discurso mais é o da totalidade: “Todo político é ladrão”.  No início, no meio, ou no final (...). A conversa não terminava, e sim, entrava o tópico corrupção.  Sei que se houver um político honesto, esta argumentação é falha. Pois bem, esta afirmativa era ilustrativa. Não se falava de homens e/ou mulheres honestos. A tentativa inicial era associar o candidato, que defendiámos, aos políticos corruptos e não aos honestos. A segunda era “rouba mas faz” admitir a corrupção, é também reconhecer que a heteronomia moral não tem classe social, bem como o que estava implícito era que o candidato apresentado era incapaz de fazer algo uma vez sendo eleito.  

Com a candidata a deputada estadual, além da desorganização das ações que poderiam colocar em evidência a candidata; bem como na falta de atenção no momento da distribuição dos “Santinhos na Boca de Urna”. Foi possível perceber outras estratégias para constituir um eleitorado no sentido de ser eleita para além “das feijoadas”. Há adversativas. Uma delas era fragilidade nos discursos no entorno da campanha. O primeiro era racialista. O segundo tentava a convergência entre brancos e afrodescendentes. É fato que a candidata não necessitava do voto branco a cidade de Salvador tem maioria significativa de “pretos e pardos”, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) um percentual de 82,7% no ano de 2009[3]. Livio Sansone já tinha chamado a atenção em “Negritude sem Etnicidade”. Ou seja, não é uma garantia que o sujeito afrodescendente vote em candidatos afrodescendentes.

 A segundo ponto é a ideia do voto como uma tradição. Esta foi interpretação feita no comportamento dos eleitores. Esta tradição familiar no que tange ao voto estava interligada aos partidos de direita: é como se a vítima da desigualdade social votasse no algoz e, com isso, o ciclo de uma série de reproduções políticos-culturais onde a população subalternizada na base da estrutura social a mantém funcionando por não compreender a potencialidade de transformação que o voto pode vir a surtir em uma sociedade.

Ambos candidatos perderam as eleições tanto em 2012, quanto em 2014 em cargos legislativos, seja no município de Salvador, seja no estado da Bahia. A impressão dada é que a ideia de subalternidade e colonialidad são  mantidas nas estruturas sociais, culturais e políticas nestes contextos. Do   mesmo modo, é preciso dizer que não é racista. É importante afirmar que não se pratica racismo institucional. Com um percentual tão significativo, é comum políticos brancos tanto de esquerda como de direita fazer dos candidatos afrodescendentes de “passaporte”; para sua manutenção no poder sem, com isso, construir uma compreensão de que são racistas; contudo o são.

A estrutura partidária transformou avanços como, por exemplo, Durban 2001[4] em ministérios, secretarias estaduais e municipais. Para uns, avanço, para outros, um controle. Eis que   homens e mulheres afrodescendentes passaram a ocupar os espaços que era dos Direito Humanos, ao que parece não foi efetivo no cabia, ou seja, no que tange a responsabilidade social.  Este arranjo político acomodou em departamentos a ansiedade coletiva  das mulheres e homens afrodescendentes, entretanto os avanços sociais não significaram e nem tão pouco  foram suficientes para possibilitar às mulheres e homens afrodescendentes  candidatarem-se à cargos eletivos para o poder  executivo em partidos com possibilidade de vencer   na cidade de Salvador, bem como no estado da Bahia.

  Referências
Lívio Sansone. Negritude sem Etnicidade: local e o global nas relações raciais e na produção cultural negra do Brasil. Salvador. EDUFBA/Pallas, 2003.
Maldonado-Torres, Nelson Pensamento crítico desde a subalteridade: os estudos étnicos como ciências descoloniais ou para a transformação das humanidades e das Ciências Sociais no século XXI Afro-Ásia, núm. 34, 2006, pp. 105-129.
QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder e classificação social In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (orgs). Epistemologias do Sul. 2009.
    


[1] É Professor da Educação Básica no Estado da Bahia. Mestre em Estudos Culturais.UFP/PT
[2] O que é confiança social? Inicialmente, tange a representação do poder político e o afrodescendente; a ideia construída no processo político, histórico e culturas posicionou o negro africano e o  afrodescendente brasileiro como   sujeito menor, indigno de tal posição social, e quando este pleiteia a mesma. A própria estrutura partidária seja à direita ou à esquerda procura inferiorizar, diminuir as qualidades do candidato como por exemplo, quando Gilberto Gil postulou uma possível candidatura para prefeito de Salvador/Bahia.
[4] http://etnicoracial.mec.gov.br/images/pdf/declaracao_durban.pdf[05/07/2018].

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