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O Racismo subjetivo e a subjetividade do racismo nas personagens: Raimundo José da Silva de “O Mulato” de Aluísio Azevedo e Tadeu Canhoto em “ Tenda dos Milagres “de Jorge Amado



 

O Racismo subjetivo e a subjetividade do racismo nas personagens: Raimundo José da Silva  de  “O Mulato” de Aluísio  Azevedo e Tadeu Canhoto em “ Tenda dos Milagres “de Jorge Amado


DOMINGOS OLIVEIRA DE SOUSA[1]

Este artigo tem como propósito tratar de práticas de racismo, inclusão e exclusão racial   das personagens  afrodescendentes na literatura brasileira:  Raimundo José da Silva e  Tadeu Canhoto das respectivas narrativas “O Mulato”   de Aluísio Azevedo  e  em “Tenda dos Milagres”  de Jorge Amado. As interações entre o eu e outro nas relações raciais que traduzem contextos na sociedade brasileira e nas suas representações da literatura do século XIX assim como no modernismo brasileiro no século XX. Seja do ponto de vista do racismo subjetivo assim como da  subjetividade do racismo.
                                       
Palavras - chave
Literatura brasileira, Identidade, Etnicidade, Racismo, Inclusão e Exclusão Racial

O primeiro se encontra do ponto de vista do existir do afrodescendente, que sempre estará em dúvida em sua capacidade cognitiva e o desenvolvimento da mesma.  Este é lido socialmente como alguém inferior, violento, impedido de possuir sentimentos e emoções como: carinho, ternura, amor e afins. Há uma leitura racial que entende o sujeito afrodescendente como alguém insensível, um infrator, popularmente bandido, marginal, alguém fora da lei.  Neste contexto é que transitam as relações raciais e de inclusão e exclusão das narrativas destes autores brasileiros.
Este olhar desenvolve-se a partir de uma estética que se concretiza através da cor da pele, da espessura dos lábios, do formato das narinas, da textura dos cabelos, do jeito de andar, das roupas que fazem uso, da pratica religiosa, assim como dos modos de ser e estar. Do ponto de vista das relações raciais, o sujeito por ser afrodescendente tem um tratamento inferior ao do branco.  O trato para os afrodescendentes na narrativa “O Mulato” de Aluísio Azevedo e “Tenda dos Milagres” de Jorge Amado  explora contextos de discriminação racial nas  relações interpessoais entre personagens brancos, mesmo que estes não  se entendam como tal. Este é um ponto.
O segundo ponto é a subjetividade do racismo. Esta confunde o que venha ser branco e o que venha se afrodescendente nos contextos das narrativas. Esta condição de dupla interpretação da identidade cultural, por um lado, desestabiliza emocionalmente Raimundo José da Silva e, por outro lado, reafirma o existir, enquanto sujeito afrodescendente brasileiro de Tadeu Canhoto; mesmo estando em um universo de forte discriminação racial como também assimilação cultural e intolerância religiosa. 
“Na interpretação da realidade de identidade cultural brasileira, o autor do livro, “Negritude – Usos e Sentidos”, Kabengele Munanga salienta dois pontos: “a miscigenação biológica tanto quanto cultural”. A relação de pertencimento com a cultura afro-brasileira e com aquilo que venha ser negritude; assim como euro-brasileira independe da cor de pele do sujeito. 
A garantia de ser afrodescendente neste contexto constitui uma etnicidade  pífia. A idéia de negritude dentro dos conceitos de Césaire e Senghor não coaduna com o pensamento do que venha significar ou do que venha ser a relação de pertencimento entre sujeitos afrodescendente e a sua cor da pele nas narrativas. (Munanga: 2009), (Césaire: 2010).
Estas oscilações de identidade construíram um inimigo intangível. Quem é racista? Quando todos vêm de uma educação e de uma formação da mentalidade onde um dos pontos centrais é a negação de si mesmo, da cor de sua pele, das religiões e culturas de matriz africana? Eis a envergadura do que venha ser a subjetividade do racismo: as relações inter-raciais sejam elas do ponto de vista: ideológico, político, linguístico, econômico e sócio - cultural foram fomentadas no Brasil Colonial; construindo uma sociedade que ao mesmo tempo é compreendida como um espaço de Democracia Racial, contudo as praticas excludentes transitou para o período pós libertação da população escravizada.(Bobbio: 2000), (Munanga: 2009). A hegemonia de uma mentalidade dominadora de uma minoria branca estabelecendo a manutenção dos jogos de linguagem do poder e de como se inserir no mesmo. Nesta atmosfera, há aquilo que se pode chamar de  linguagem cultural e uma linguagem cultural institucional[2] que criam uma série de movimentos no intuito de dizer que incluiu o afrodescendente; quando este processo se realiza de forma  excludente. (Laclau: 2001).
Tanto Raimundo José da Silva como Tadeu Canhoto superam o racismo subjetivo mostrando que o sujeito afrodescendente tem capacidade cognitiva através da escola e da construção moral de ambos a fim de que a sua mobilidade social ocorra e estes sejam inclusos socialmente. A questão que levanto é subjetividade do racismo em cada destas personagens e como estas de desenrola nas respectivas narrativas: “Mulato” e “Tenda dos Milagres”. No entanto, o olhar que a sociedade desenvolve no que diz respeito a estas personagens, é de inferiorização das mesmas, haja vista que Raimundo é morto no decorrer da narrativa de Aluísio Azevedo, mesmo tendo as prerrogativas para ser incluso socialmente, enquanto Tadeu Canhoto em “Tenda dos Milagres”, mesmo reconhecendo a sua inteligência o Coronel Gomes põe o filho de Pedro Archanjo para fora de sua casa. Tadeu Canhoto casa-se às com Luíza (Lu) sofre forte proteção de capoeiristas; a fim que a cerómonia realiza-se com segurança; mesmo com tal aparatos; este vai a delegacia sob a acusação de raptor da filha do Coronel Gomes, quando esta já tinha 21 anos de idade entendendo que  pela constituição brasileira a maior idade se faz a partir desta idade.  

·                    A narrativa “O Mulato” de Aluísio de Azevedo

Pode-se entender que a narrativa “O Mulato” de Aluísio Azevedo vai tratar das relações raciais na cidade de São Luís no Estado do Maranhão Brasil. Primeiro, a idéia da família no Brasil Colonial do século   XIX.  José Pedro Manuel sai do Pará fugido da revolta de Mata Bicudo de 1831, no final do período da Regência de D. Pedro I no Brasil. Ele, traficante de negros escravizados, foge do Pará por prevenção de uma das suas escravas, a negra Domingas.  Raimundo José da Silva nasce numa fazenda na Vila do Rosário produto da  relação entre senhor - José Pedro -   e escrava - Domingas.
  Em seguida, José Pedro Manuel casa-se com “Sra. D. Quitéria Inocência de Freitas Santiago Seixas”. Esta, por força do seu ódio ao africano escravizado, como também ao afrodescendente brasileiro na condição de escravo, tortura e queima a genitália Domingas em franco desejo de matá-la por saber do relacionamento entre Domingas com José Pedro Manuel. O pai de Raimundo sabendo do ocorrido vai a procura de sua esposa, a fim de entender-se com a mesma. Ao chegar a sua casa, encontra a sua senhora em conjunção carnal com o padre Diogo em sua cama.  José Pedro possesso de raiva pelos fatos acontecidos estrangula a mulher cometendo crime sob o discurso e  olhar do padre Diogo que também prevaricou. De tal forma que, o padre propõe um acordo com o traficante de escravizados no qual consistia que cada um silenciar-se em segredo as faltas cometidas – a prevaricação da representação da fé e o assassinato de sua mulher pelo próprio pai de Raimundo José da Silva.
 Segundo, Raimundo é enviado para Portugal a fim de protegê-lo das investidas de Sra. D. Quitéria; assim como educá-lo sob a responsabilidade de Peixoto em Lisboa. A expectativa de José Pedro era retornar para Lisboa para cuidar do filho, entretanto além da doença que lhe acomete após o assassinato de sua mulher e o pacto proposto pelo  padre Diogo e o traficante de escravizados, que Pedro Manuel é morto em emboscada a mando do padre Diogo.
Terceiro, aos vinte seis anos de idade Raimundo, retorna à São Luís do Maranhão a fim de descobrir as suas origens, vender os  bens que possuía no Maranhão e retornar para o Rio de Janeiro, onde poderia abrir o seu escritório, casar-se  e ter filhos e viver a sua vida.  Ao chegar a cidade de São Luís, Raimundo chama para si a atenção de todos pelos trajes, pela postura e  educação. Raimundo é descrito com “olhos azuis que puxara do pai”, “tez morena e amulatada, mas fina; dentes claros que reluziam sob a negrura do bigode; estatura alta e elegante” (Azevedo; 2003).
O filho de José Pedro Manuel instala-se na casa do tio Manuel Pedro da Silva onde moram também Ana Rosa prima de Raimundo e Maria Barbara avó de Ana Rosa. De um lado, Maria Barbara hostiliza os escravizados em sua casa como aconselha por todo tempo que Pedro Manuel acomode Raimundo em outro lugar que não seja àquela casa onde mora sua neta.  De outro lado, a prima, Ana Rosa, apaixona-se pelo o primo; todavia, a expectativa da família é que ela contraia casamento com Luís Dias, funcionário do comércio do pai, a quem ela o chama costumeiramente de  semítico.
O desenvolvimento da narrativa ganha tons românticos e realistas; ao tempo em que Raimundo declara-se apaixonado por Ana Rosa e pede a sua mão em casa ao tio Pedro Manuel da Silva. O seu tio faz duas revelações para a negativa ao sobrinho por sê-lo filho de uma escrava e, por fim, informa-o que ele é um homem de cor. As consequências redimensionam o texto do autor maranhense. Raimundo conclui que o padre Diogo, que neste período de tempo chega à estatura de cônego, foi o responsável pela a morte de seu pai, entretanto o padre, para além de ser valer da condição de religioso, assim como um homem de idade senil, procura e consegue dissuadir o filho de José Pedro que não é o responsável por tal assassinato.
Raimundo sai da casa da Rua da Estrela, onde morava com a família do tio, para ir morar em uma das suas casas da Rua de São Pantaleão na companhia da mãe. Assumi o compromisso deixar o Maranhão no dia que chegasse o vapor. Dado a data da partida, Raimundo vai à casa de Manuel Pedro para se despedir da família, enquanto o tio junto com o padre Diogo foram certificarem-se  de sua saída no cais de São Luís, no entanto Raimundo ao chegar à casa do tio, encontra com Ana Rosa e depois de desentendimento e entendimentos prima e primo se amam. Trocam juras de amor. Ana Rosa engravida de Raimundo e ambos procuram manter em comunicação através de cartas que transitam através dos empregados.  Marcam da data de fuga.
O cônego Diogo aciona o Luís Dias a fim de que ele acompanhe a movimentação das cartas;  assim como manter  controle sobre os passos dos primos. O padre através de sua persuasão no momento da confissão é informado que a filha de Pedro Manuel encontra grávida de Raimundo. Propõe a gestante a pratica do aborto, esta sente-se tão assustada que corre para fora da igreja.  Dado o dia da fuga. Ana Rosa  é surpreendida com a presença do padre e do pai. Eles evitam a fuga da filha de Mariana para o constrangimento de Raimundo, que se defendeu assim como a Ana Rosa.
Dias retorna a narrativa em definitivo. O cônego Diogo instrui o caixeiro de Pedro Manuel; para que  ele mate Raimundo, dando-lhe uma arma. Luís Dias o faz pelas costas. A chegada do corpo de Raimundo provoca um aborto em Ana Rosa. No final do texto,  Luís Dias casa-se com Ana  Rosa e é mãe de três filhos.
Neste momento, é preciso tratar de dois pontos. 1) O sentido de identidade e etnicidade para Raimundo José da Silva  e o racismo biológico e/ou científico no Maranhão do século XIX. A idéia de inferiorizarão, hierarquia e a denuncia do racismo praticado no Maranhão no século XIX no livro O Mulato de Aluisio de Azevedo. 2) O desejo de matrimonio  inter-racial entre Ana Lucia e Raimundo José da Silva no texto maranhense.



·      “O Mulato”: identidades, etnicidades e racismo biológico

Aluísio Azevedo em seu livro O Mulato, (2003), vai, de forma intencional ou de forma acidental, tratar na prosa brasileira um tema que permeia por várias sociedades até os dias de hoje: identidade. Do mesmo modo, o autor maraenhese tocará em pontos sensíveis da construção da etnicidade brasileira, e por fim, nos dá uma impressão de como era a sociedade do Maranhão no século XIX. Pois que, a questão central do texto de Aluísio está por trás do fundo romântico; há uma provocação quanto a província de São Luís do Maranhão e a realização de um casamento inter-racial.  
O primeiro ponto diz respeito aos conceitos de afrodescendência brasileira no contexto moderno, racismo, identidade e etnicidade. Quanto ao primeiro, analisa a historiadora Marli Geralda Teixeira como todo aquele esteve sensível  com “ os marcos da submissão   - porão e a senzala – e os marcos da resistência – a negociação e o conflito”. Quanto ao segundo, Michel Wieviorka no seu livro “Racismo” que além de definir o  racismo[3], o sociólogo nascido na França procura classificá-lo em científico, institucional e cultural. O terceiro quem trata é o teórico da cultura Stuart Hall no seu livro “Identidade Cultural na Pós – Modernidade onde o autor jamaicano analisa a identidade onde se realizam três sujeitos: o iluminista, o sociológico e  pós – moderno. 
O quarto e último é o conceito de  etnicidade[4] do livro “Teorias da Etncidade” de Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff – Fenart que  articula uma série  de conceitos, isto é “Definição de Burgess”, “A etnicidade como expressão de interesses comuns: as teorias instrumentalistas e mobilizadoras”, “As teorias do grupo de interesse ”, e, por fim, “A etnicidade como sistema cultural: as abordagens neoculturalistas”.  Tendo em comum entre eles a pertença de grupo.
No que tange, a Raimundo José da Silva  de “O Mulato” de Aloísio de Azevedo o conceito de sujeito sociológico dialoga com a construção destas personagens. A importância da interação entre o “os valores, sentidos e símbolos – a cultura –”, traduz quem é este sujeito no seu contexto. Do ponto de vista do autor de identidade cultural na pós-modernidade, o sujeito sociológico constrói-se na interação da “sociedade e do eu”. Por um lado, percebe-se a importância das relações interpessoais e intrapessoais. Por outro lado, Raimundo José da Silva vive conflitos desta natureza. Primeiro, pela cor da pele de cada um das personagens; Segundo, pela aceitação ou negação de si mesmo tanto do ponto de vista intrapessoal quanto do ponto de vista interpessoal. (Hall: 2004); (Gardner: 1995).
O terceiro ponto é a interpretação do livro O Mulato[5] de Aluisio  Azevedo como denúncia da pratica de racismo. Pode-se evidenciar: a) o racismo biológico, isto é, a inferiorização dos sujeitos através da sua cor de pele. b) o racismo institucional, ou seja, quando a sociedade de forma velada impede que o sujeito participe da mesma (Wieviorka: 2002). c) A assimilação cultural e a negação de si mesmo (Titiev:1969), (Filho:2008), (Laraia:2009). Todos estes aspectos ocorrem com o personagem Raimundo José da Silva em todo o seu processo de construção e desenvolvimento.  De tal forma que, representa tanto sobre a perspectiva interpessoal e intrapessoal o mulato e suas vicissitudes na sociedade brasileira do século XIX.
A criação da personagem Raimundo José da Silva e as suas oscilações de identidade e pertenças. Raimundo pode ser entendido como alguém que foi construído  do vista sócio - cultural para ser vítima de si mesmo numa leitura atual e numa interpretação do contexto do século XIX, porquê? Por que Raimundo foi transformado em vítima sócio – cultural de si mesmo?  Por que Raimundo sendo filho de uma escrava e de um branco traficante de escravos teria naquele contexto de ser escravo, mesmo tendo nascido na condição de liberto?
Este permaneceu com a marca da escravidão por toda sua vida.  Raimundo nasceu livre, sob a proteção do seu pai este ainda garoto com cinco anos foi enviado para Portugal. O que ficou de brasileiro em um sujeito que passou 20 anos na Europa e 5 no Brasil? Muito certamente pouca coisa, uma vez que Raimundo transformou-se em Europeu com todos os jogos morais que Portugal lhe educou[6]. Esta é outra questão que Kathryn Woodward levanta em Identidade e Diferença, quando chama atenção para as pertenças sócio - culturais. A cor da pele é o suficiente para afirmar se o sujeito é branco ou afrodescendente? E qual a tendência do mulato como Raimundo; uma vez que este se encontrará em um contexto que ser branco será mais bem aceito socialmente? A etnicidade com a qual Raimundo vai dialogar e irá assumir e do mundo branco e europeu do século XIX.  Raimundo tornou-se branco por força do contexto no qual se encontrava.  Passou parte da vida como branco sem si preocupar com este assunto tanto que retornou ao Brasil, primeiro ao Rio de Janeiro a Corte de D. Pedro II[7] e depois ao Maranhão, a fim de desvendar o enigma de sua origem; assim como vender os seus bens e se estabelecer na corte como advogado que era.
Raimundo retorna ao Maranhão e sua prima Ana Rosa apaixona pelo primo. Ele, a princípio pouca da importância, mas percebe que alguém invade a privacidade do seu quarto, enquanto ele se encontra ausente.  Surpreende a prima chamando-a atenção. Ao tempo em que, a sua Vó, D. Maria Barbara com muita insistência pede ao seu genro Manuel Pedro da Silva que mandasse “o cabra” para fora daquela casa. Este cabra é Raimundo. 
Há, contudo, uma movimentação na assunção de identidade cultural na personagem  Raimundo adoce ao saber que é mulato. Eis o problema. A vergonha de ser mulato de Raimundo revela representações das identidades culturais do afrodescendente no II Reinado tanto salientado em Sobrado e Mocambos de Gilberto Freire quanto com Emilia Viotti em Da Monarquia à República. No livro do autor pernambucano, este  construiu um capítulo chamado de “ Ascensão do Bacharel e do Mulato.  Do mesmo modo, a autora paulista tem capítulo chamado “ O mito da democracia racial no Brasil” que trata a questão também da mesma natureza.  A dificuldade da assunção da identidade cultural do afrodescendente brasileiro devido o passado e suas representações simbólicas que ficaram marcada através dos traços fenotípicos, sobretudo, a cor da pele. Esta negativa se estende aos hábitos culturais. Aquilo que se compreende é que ocorreu não só uma negativa, um distanciamento do ponto de vista do  que significava o existir do sujeito africano escravizado e do afrodescendente em solo brasileiro;  afim do mesmo dizer que estava fora daquela realidade, seja pela assimilação cultural ou aquilo que alguns teóricos chamam de branqueamento. 
Há três personagens nesta narrativa que merecem destaque no tocante as representações sociais racistas: o padre Diogo, que é uma representação da Igreja Católica; Dona Maria Barbara, a família e a manutenção de suas tradições, seus usos e costumes; assim como Manuel Pescada que para além de significar uma representação da família estende-se com uma representação do poder econômico na cidade de São Luís do Maranhão no contexto do Brasil colonial. Estas etnicidades fazem um movimento do racismo institucional. A etnicidade ganha o sentido de pertencimento do com o mundo branco brasileiro no Brasil Colonial e as suas assimilações culturais. Esta oscilação de etnicidade branca e de construção de novas etnicidades para o mulato, que o  conduziu para  o  consumo de bens simbólicos  lhe permiti transitar nos jogos de linguagem do que venha ser o mundo branco o do que venha ser afrodescendente. Desde então, o existir do sujeito afrodescendente brasileiro pode ser entendido e compreendido como quem possui uma dupla identidade onde o contexto e as interações do “eu e a sociedade” possibilitam esta pertença.    
A narrativa  vai dialogar com o pensamento científico dos séculos XVIII e  XIX no tocante as relações raciais com o pensamento dos Tipologistas Raciais[8], assim como com os Darwinistas Sociais[9]. A compreensão da época estava montada em tripé: Colonialismo, Capitalismo e Escravidão (Banton: 1977). O entendimento que os seres humanos eram distinguidos em superiores e inferiores através da cor de sua pele complementava muito bem todos os jogos de mando; a fim de que o branco exercesse uma autoridade ratificada pela ciência.
As normativas sociais e culturais do ponto de vista religioso constituíram um processo de assimilação cultural das populações negro – africanas escravizadas no Brasil Colonial, seja de natureza lingüística e religiosa. Deste de então, a intolerância religiosa e a inferiorização da mesma deu-se no espaço brasileiro tanto com as religiões de grupos étnicos escravizados do oeste africano assim como das populações Congo - Angola. A constituição desta etnicidade fundamentou a idéia de pecado é perdão; como também a perseguição aos praticantes de religiões oriundas de tais regiões da África. (Rodrigues: 1894).
O padre Diogo que ao longo do tempo tornou-se cônego[10] terá grande importância e participará de momentos decisivos na vida de Raimundo como também da sua morte. A pergunta que se faz é: a Igreja Católica do século XIX era racista? A igreja Católica do século XIX prática racismo institucional em nome de um Deus branco? A Igreja Católica do século XIX era uma representação social de manutenção do poder colonial? (Torres: 2006), (Torres: 2008).  A igreja Católica entendia o afrodescendente como alguém passível  de branqueamento e assimilação cultural; a fim de inferiorizá-lo e diminuí-lo frente à sociedade na qual este deseja se incluir? De modo que, afrodescendência brasileira atendia algumas necessidades da fé e não a outras. 
Muito certamente a personagem do Padre/Cônego Diogo vai simbolizar todos estes jogos de mando, que não se circunscreve dentro de uma leitura social de classe e raça, entretanto o que não esta em jogo é a classe social, uma vez que Raimundo é tão rico quanto sua prima; é letrado, é europeu nos jogos de relação de pertencimento.  Aquilo que estará em jogo na narrativa é a cor da pele e o que ela representa a escravidão. Os temores da miscigenação e do racismo biológico das futuras gerações serão um ponto que assinala o jogo da emoção se sobrepõe a razão. Ana Rosa quer o filho de Raimundo como também casar-se com ele, independente de todos os jogos simbólicos do que venha significar este casamento e, ao mesmo tempo, os tipos de obstáculos que o casal venha sofrer frente à própria Igreja Católica, entretanto o Cônego Diogo com representação da mesma que será um agente impeditivo e vai coadunar com o pensamento do racismo cientifico.
O segundo e a terceiro personagens são Manuel Pedro da Silva e sua sogra Dona Maria Bárbara que representam a família colonial brasileira.  De maneira que, estes farão esforços na manutenção das tradições e da reprodução da estrutura social (Giddens: 1994), (Bordieu: 1989). A idéia de reprodução da estrutura social  colaca Raimundo de fora; visto que a cor de sua pele vai ao encontro a tudo aquilo que o racismo científico prega. A idéia de raças puras, de imutabilidade das raças humanas são as ideias fortes deste século. Raimundo entra em choque com esta organização social.
·         A narrativa  Tenda dos Milagres de Jorge Amado

A interpretação da narrativa “Tenda dos Milagres” de Jorge Amado (1969), coloca em destaque quatro planos do processo de criação do autor baiano. O primeiro, que dá início a narrativa, este faz uma homenagem à obra de Pedro Arcanjo. O segundo conta a história entre Lídio Corró e Pedro como também o combate ao racismo cultural e a intolerância religiosa. O terceiro plano concentra-se no racismo científico e debates na Escola de Medicina, onde Nilo Argolo e Pedro Arcanjo entram confronto. O quarto plano trata de Tadeu Canhoto, Luíza e o Coronel Gomes as possibilidades de um casamento inter-racial rejeição e aceitação.
De partida, Jorge Amado vai render as homenagens a Manuel Querino na personagem de Pedro Archanjo[11] desde o início da narrativa.  Com a chegada do bacharel em Ciências Sociais, professor da Columbia University, James D. Levenson, que procura informações a respeito do Cientista Social Pedro Archanjo.  Com isso,  a narrativa inicia-se com esta provocação que chega aos  intelectuais da época  como também na imprensa da cidade de Salvador a qual sente uma  curiosidade tardia pelo estudioso, que só estava sendo valorizado pelo antropólogo estrangeiro de maneira que muitos, mesmo não conhecendo as suas obras, diziam conhecê-la para afirmar a sua estatura intelectual. De tal forma, James D. Levenson estimulou  uma procura em se informar e  conhecer a obra de Pedro Archanjo as representações de poder, nomeadamente o poder público e a imprensa  se fizeram presentes nas comemorações do 100 anos de Pedro Archanjo.

No segundo plano, Jorge Amado vai contar a história de Pedro Archanjo e Lídio Corró e o sentido da Tenda em sua prática cotidiana. Por um lado, o oficio de Lídio em riscar milagres, desenhar “milagres”, estes eram riscados de acordo com as narrativas e o desejo de quem ia a sua procura, devido a sua fama de riscador de milagres, a fim de perpetuar o fato acontecido no plano do figurativo, algo que ainda só se encontrava na abstração. De tal forma que, a história tinha como eixo central a salvação da vida de quem solicitava a vida ou parente próximo, ou ainda, um amigo que era salvo por uma divindade do panteão do candomblé afro-brasileiro.  Por outro lado, a criação da personagem de Pedro Arcanjo se desenvolverá na perspectiva de dois mundos ou em mundos paralelos. O mundo da escola de Medicina, onde trabalha como bedel, onde é tratado como sujeito menor de pouca credibilidade. Em outro universo, que se concretiza na Tenda dos Milagres e os seus transeuntes onde transpira a vida do povo da cidade de Salvador: pequenos comerciantes, que encomendavam serviços na Tipografia de Lídio, trabalhadores braçais, capoeiristas, boêmios em um franco distanciamento sócio – econômico e cultural entre as duas realidades. Para além do título dado pelos orixás – Ojuobá; Pedro Archanjo vai transitar entre os terreiros de candomblé atuando na sua defesa e, sobretudo, na intolerância religiosa; como também  vai compor seus estudos de campo para a composição dos seus livros. Eis um dos pontos de sofisticação e actualidade do autor baiano, a denúncia do racismo cultural; assim como o combate a intolerância religiosa. Tanto Robert Miles em “Racism After race relation” e Robert Miles e Malcolm Brown em “ Racism”   quanto Michel Wieviorka em “ Racismo: uma introdução”  conceituam e analisam este modalidade de racismo e de normativa sócio – cultural.
No terceiro plano, o autor baiano vai tratar racismo cientifico ou biológico, enquanto discurso científico, onde irão digladiar Nilo Argolo e Pedro Arcanjo, num jogo ideológico que perpassa de um lado: O Conde de Gobinaeu, Ferri, Garofalo, Cesare Lombroso[12], entre outros; e, por outro lado, Antenor Firman, Manuel Querino e Gilberto Freire. Duas linhas teóricas de pensamento científico estarão transitando pela narrativa:  a primeira do racismo cientifico  defendida Nilo Argolo onde inferiorização biológica  e cognitiva se somam e, por via de consequência, o racismo cultural e intolerância religiosa no que tange aos Terreiros de Candomblé como também aos seus adeptos. A segunda se traduz em Pedro Archanjo e como sua vida desenrola na narrativa. A construção de Pedro Archanjo desenvolve-se com a idéia da igualdade racial e a possibilidade da mobilidade social dos seus pares através da educação.
O quarto como um experimento para a realidade do contexto da “Reforma Urbana” sofrida na cidade do Rio de Janeiro, quando ainda esta era a capital da república brasileira no início do século XX;  assim como a realização amorosa entre Lu e Tadeu Canhoto.  A relação inter-racial entre Luiza e Tadeu Canhoto deve ser interpretada como a parte  da narrativa que  tem um tom de experimento e  teoria nas relações raciais e  interpessoais na cidade de Salvador onde o racismo se encontra com um tabu social e cultural a ser enfrentado pela sociedade. 

·         Manuel Queirno, Nina Rodrigues e Pedro Archanjo e Nilo Argolo: a homenagem e a denúncia, de um lado a teoria das relações  raciais e, do outro, a literatura de ficção.


As interpretações da narrativa de Jorge Amado -Tenda dos Milagres - nos remetem aos estudos de Nina Rodrigues, Manuel Querino e as suas representações que são construídas nas personagens Pedro Arcanjo e Nilo Argolo, onde o digladiar de ideias e praticas  racistas constroem o cenário para se entender o pensamento do século XVIII e XIX à respeito das praticas racistas nestes contextos.
Para tanto, saliento três pontos. O primeiro ponto é fazer um estudo das relações raciais do ponto de vista da narrativa de Jorge Amado, Tenda dos Milagres, a fim de compreender o discurso de Nina Rodrigues no tocante as relações raciais mais especificamente no livro “As Raças Humanas e A Responsabilidade Penal no Brazil” em contraposição do pensamento de Manuel Querino no livro “Costumes Africanos no Brasil”. O segundo ponto trata do conceito de identidade, pode-se fazer algumas reflexões a respeito do formato.  A idéia de sujeito sociológico do conceito de Hall em identidade cultural na Pós Modernidade ocorre também com Tadeu Canhoto, todavia a importância da cultura local, isto é, a Tenda dos Milagres, o Pelourinho e jogos simbólicos de mando e de obediência assim como desobediência construíram um Tadeu Canhoto, que mesmo sofrendo todas as dificuldades de ser incluso socialmente; movimenta-se socialmente e através da educação. O terceiro ponto coteja  as teorias racistas desde a reafirmam do racismo biológico ao racismo cultural e a intolerância as religiões de matriz africana.
Quanto o primeiro ponto, aquilo que se percebe na construção da narrativa do autor baiano, é um cenário entre opostos que se digladiam na escola de Medicina no Terreiro de Jesus na cidade do Salvador – Bahia. De um lado, Nilo Argolo, que representa um pensamento que reproduz os jogos de linguagem onde se entrecruzam desde racismo biológico ao racimo cultural. De outro lado, Pedro Archanjo, representa o pensamento de Manuel Querino, Gilberto Freire como também Antenor Firman.  Este último autor da Martinica e um dos poucos que se opuseram ao pensamento do Conde de Gobineau com o livro a Igualdade das Raças Humanas.
A idéia de ser branco permeia as elites da cidade de Salvador; que exibe a força desta etnicidade consumidora de idéias as quais perpetuam o poder branco, o branquiamento, um passing social, assim como a constituição do diferente, isto é, o afrodescendente baiano em todas as suas nuances: identitária, social, cultural, económica e política. (Risério: 2007), (Carone e Bento:2002). Esta marcação da diferença deve ser acentuada a todo o momento para salientar as ideias de melhor e pior, inferior e superior entre outras onde o branco não só vai ocupar a posição de mando como também de modelo a ser seguido pelo o outro e este “outro” é o sujeito afrobaiano.  Enquanto Nilo Argolo, procurava similaridade entre o pensamento de Gobineau no Ensaio da Desigualdade das Humanas, onde no Brasil o seu estudo elegia o africano escravizado e afrodescendente brasileiro como sujeito passível de desvio de conduta moral, e, portanto criminoso nato.  Este pensamento constituiu a formação da mentalidade dos estudantes de Medicina, assim como Direitos, que é bom frisar tornaram-se advogados, juízes, magistrados como também delegados  corroborando com esta linha de pensamento; e, por fim justificando com a prisão sistemática da população africana escravizada ou alforriada e afro-brasileira, onde o que prevalecia era o racismo biológico e/ou científico tanto no século XIX  como no século XX na personagem do delegado Pedrito Gordo que pratica não apenas o primeiro tipo de racismo como também o cultural, quando destruía objectos sagradas das religiões de matriz africana; assim como prendia os seus adeptos.
A idéia de ser afrodescendente, Pedro Archanjo argumentava, não pela democracia racial, mas pelo entendimento que todos dos pontos de vista biológicos eram afrodescendentes uma vez que a gênese a sociedade soteropolitana foi formada pelo africano escravizado em solo baiano. Esta argumentação colocava o racismo biológico como algo que não se adequava em uma sociedade de Salvador onde a população é por formação mestiça.
Nesta narrativa, o suporte que a cultura da na construção de identidade de Tadeu Canhoto vai permiti-lo transitar por dois mundos em uma só cidade tanto do ponto de vista social quanto da perspectiva cultural. A Tenda, entre tantas características, tem duas marcantes: a primeira é sua localização geográfica, no centro histórico da cidade de Salvador – Bahia. A segunda diz respeito a existência da Tenda, enquanto centro difusor da cultura baiana. Neste ambiente, por volta de seus sete anos Tadeu Canhoto vai ser criado como seu afilhado a Pedro Arcanjo, mesmo  sabendo que ele é seu filho e sua extensão intelectual, Pedro Arcanjo fará silêncio por toda sua vida a respeito de tal paternidade. Por outro lado, terá o cuidado necessário na formação intelectual do filho, visto que desde cedo o mesmo demonstra uma notável  competência lógica matemática. (Gadner: 2000).
Tadeu Canhoto tornar-se estudante do curso engenharia de tal forma que nesta altura da narrativa já  conhece Astério seu colega de estudos e Luísa, irmã do mesmo, que no decorre do texto é chamada de Lu, ambos filhos do Coronel Gomes. Tadeu Apaixona-se por Lu e ela por ele. O filho de Pedro Archanjo, então,  viaja para o Rio de Janeiro para fazer parte de uma equipe de Engenheiros, que a modernizar a cidade do Rio de Janeiro, ainda capital da Republica Federativa do Brasil, no entanto no seu projecto  pessoal havia o desejo de retornar à Salvador para contrair casamento com Lu.
Passados alguns anos, onde fora possível Tadeu estabelecer e construir um status de Dr. Engenheiro entre tantos outros que compunham a equipe que trabalhava no Rio de Janeiro, e ao mesmo tempo Lu completa a maior idade, isto é, 21 anos. Tadeu Canhoto retorna a Salvador. Visita à casa do Coronel Gomes e pede a mão em casamento de sua filha. Num tempero romântico, o pai lhe nega, por Tadeu ser negro. Nota-se o que não estava em conta a sua nova posição social que conquistara no decorrer do tempo de seu trabalho, e sim, sua a cor de sua pele.

·      Representação do afrodescendente brasileiro: Raimundo José da Silva em O Mulato de Aluísio de Azevedo (1881) e Tadeu Canhoto em Tenda dos Milagres de Jorge Amado (1969).


A subjetividade do racismo vai permitir que as interpretações das narrativas, “ O Mulato” de Aluísio Azevedo e  de Jorge Amado “Tenda dos Milagres” respondam algumas perguntas que tratam da identidade cultural, etnicidade dentro dos contextos nos quais estes se encontram. A Primeira questão é Quem é branco? Quem é afrodescendente nestas narrativas. A segunda questiona a oposição e a extensão entre Raimundo José da Silva e Tadeu Canhoto no que diz respeito à identidade cultural. A terceira questão diz respeito ao casamento inter-racial e como cada uma das personagens e seus desfechos em suas narrativas. Como a sociedade e leia nas entrelinhas a etnicidade branca entende o casamento inter-racial? O terceiro ponto trata da intolerância religiosa. Para iniciar, posso levantar algumas questões no tocante às duas personagens e suas representações em ambas as narrativas.
Aluísio Azevedo descreve em “O Mulato” algumas personagens como afrodescendentes ao salientar os fenótipos dos mesmos, ou quando não, a tentativa de esconder a herança negro – africana que cada um deles traz consigo. D. Eufrasina é descrita como “ Todas enfeitada de fita roxa, moreninha, apesar da superabundância de pó de arroz; as feições muito superfície do rosto e com um sinal de nitrato de prata de prata ao lado esquerdo da boca,(Azevedo: 2003, p. 60). “José Roberto, aquém só tratavam por “Seu Casusa”, era moço de vinte e tantos anos, magro, moreno, crivado de espinhas, olhos muito negros, boca em ruínas, uma enorme cabeleira, rica toda encaracolada e reluzente de óleo cheiroso, preta, bem preta, dividida pacientemente ao meio da cabeça.” (Azevedo: 2003, p.66). Do ponto de vista sócio – antropológico, a sociedade da cidade de São Luís no Maranhão se divide em: negros - escravizados e brancos; contudo a construção de identidade perpassa por forte assimilação cultural e construção de um fenótipo branco, mesmo que isto signifique a transfiguração do corpo. Do mesmo modo, a construção da narrativa do autor do ponto de vista linguístico deixa, ao mesmo tempo um forte dialogo com a língua portuguesa falada  em Portugal, como também constrói um texto,  onde os seus falantes fazem uso de palavras do kikongo e do kimbundo das respectivas culturas: Bakongo e Ambumdo que fazem parte das línguas bantu faladas na região Congo – Angola no continente africano. (Castro: 2001). Frisa-se na oposição entre escravizados e brancos, seja na política do mando e da obediência e forte assimilação cultural, a fim de existir como branco e como escravizado naquele contexto.  Eis a questão. Raimundo é os dois: é afrodescendente brasileiro na cor de sua pele e europeu na sua formação intelectual.
Em “Tenda dos Milagres” de Jorge Amado, a idéia de ser branco e de ser afrodescendente é retomada, não apenas pelo ponto de vista: escravizado e branco como também da afrodescendência nascida livre em mobilidade social. A representação do Coronel Gomes – a família - pelo próprio nome constitui-se em poder político e económico e com ele Pedrito Gordo - a lei - revelam como o racismo científico ou biológico ganhou formato na sociedade e qual o significado dos casamentos inter-raciais. Se do ponto de vista sociológico, percebia que a riqueza e a pobreza tinham cor, ou seja, brancos – ricos e afrodescendentes – pobres. Do ponto de vista antropológico, todos eram afrodescendentes. Eis a questão.  A sociedade da cidade Salvador fragmentada em seu existir como também fragmenta na ocupação do espaço urbano, em seu desejo de assumir-se branca. O consumo de cultura europeia foi feito como forma de dizer-se diferente do sujeito local – o afrodescendente baiano. Frisa-se também que neste movimento em direção ao mundo branco, o afrobaiano também consumiu símbolos culturas  brancos para dialogar, negar e negociar com este mundo, que na maioria das vezes não o aceitava.
A leitura das narrativas dentro de uma perspectiva sociocultural apresenta conflitos entre brancos e afrodescendentes, com desfechos diferenciados e diferentes para cada texto; a cor da pele passa ser elemento determinante de aceitação e não aceitação da população como um todo onde a idéia  de inclusão ou exclusão  social, independente de seu poder económico. Isto ocorre com Raimundo José da Silva e Luís Dias; onde, mesmo não tendo a estatura sócio – económica do primeiro; a fim de ombrear Ana Rosa; Luís Dias é o escolhido tanto pela família de Pedro Manuel, D. Maria Bárbara a avó de Ana Rosa,  quanto pela igreja, ou seja, pelo Padre/Cônego Diogo; enquanto Raimundo mesmo tento as prerrogativas de ser  incluso socialmente. Este é preterido por ser filho de uma escravizada, de modo que é inferiorizado tanto do ponto de vista interpessoal como também intrapessoal. Sendo assim, fica estabelecido como as  etnicidades devem se comportar diante das subjetividades de quem manda e quem obedece.  De forma que, a cor da pele passa a representar um valor simbólico que passa um traço cultural que por vezes revelará a identidade, quando deseja fazer relevância a ela, e por vezes revelará a etnicidade, quando necessário fazer uso deste instrumento como forma de se jogar com a identidade, ou seja, ora eu sou isso, ora eu sou aquilo, a depender dos contextos, e como se deve fazer uso das ferramentas culturais que se têm mãos e como eles devem ser usadas e consumidas em determinados contextos culturais, onde a relação de pertencimento com o espaço seja necessário fazer uso destes recursos. A lembrança do escravismo, da senzala, ou como uma lembrança de pertença com a África, por exemplo, muito certamente é um conflito de Raimundo e a solução de Tadeu Canhoto, como se o limite de Raimundo fosse: - Sou mulato. Sou filho de uma escrava. Não mereço pertencer a esse mundo. Não sou digno de mim mesmo nem do mundo ao qual eu faço parte. Por outro lado, Tadeu diz: - Sou negro vim da África meus ancestrais me fizeram forte, belo, másculo, viril e inteligente. Tenho o Candomblé como minha religião e sou protegido pelos orixás. Pois que, o primeiro nega a sua existência e o segundo se orgulha.
Este movimento de miscigenação, ao mesmo tempo de inteiração e branqueamento, ao mesmo tempo aceitação e a negação de si mesmo. Tanto Tadeu como Raimundo são representações sociais que possibilitam as leituras de sujeitos que fogem do estigma da cor da pele, possibilitando, não a si mesmos, no entanto há um olhar social em conflito: aceitação e/ou exclusão por existirem e comporem tanto quanto afrodescendentes como brancos.
Duas posições a ser tomadas; a primeira é tratar destas duas narrativas como textos que merecem comparação, onde o romance de Jorge Amado levará vantagem, haja vista que sua personagem consegue o realizar o objectivo que o outro em o “Mulato” tanto desejava.  Neste contexto, Raimundo, uma vez entendido como mulato, é esvaziado do que ele tem de mais forte, isto é, a formação cultural de sorte que a negação de si mesmo e a negação de pertença com o mesmo anula o filho de José da Silva em duas possibilidades de seu existir como filho da escrava enlouquecida pela vida levara, e também da cor, que até então era branco,  e sua estatura social, cultural e económica entram em conflito. De forma que, Raimundo  sai de um momento para outro da própria sua vida em uma espécie de  fragmentação de seu próprio eu, de sua própria identidade, que, até em certa altura de sua de vida, é fixa, aproximando ao sujeito iluminista do Hall – 2003. Em seguida, movimenta-se para o sujeito sociológico. Desestabilizando todo o sujeito ao ponto de fragmentar em um só sujeito duas identidades uma a Social e a outra Cultural que aquele momento eram identidades que se relacionavam muito bem em um só e do  momento  em este passa a saber qual a sua origem, cria-se um conflito interpessoal e intrapessoal que Raimundo nega a sua própria existência. E, por fim, Raimundo faz um esforço com o intuito de distanciar-se de si mesmo.

A impossibilidade de um casamento inter-racial em “O Mulato” de A. Azevedo nos permite fazer algumas considerações, a fim de concluir esta reflexão. A primeira é salientar a idéia da denúncia feita pelo autor tanto para a realidade de Raimundo como também sua mãe Domingas que foi torturada até chegar a um estado de loucura. A tensão e a prevenção à miscigenação respondiam a todo o discurso do racismo biológico fomentado no século XVIII e praticado no século XIX até os dias de hoje.  A segunda trata tanto da morte social quanto da biológica de Raimundo José da Silva uma vez que estigma da cor possibilitou este assassinato sem culpa para quem o fez dentro dos padrões românticos de que o “bem vence o mal”. Prevaleceu um dialogo com a realidade áspera e cruel do entendimento daquilo que merecia os afrodescendentes que se envolvessem com uma mulher branca – a morte - como forma de julgamento e punição social. (Goffman: 1988), (Goffman: 2001). A terceira diz que a cor é mais importante que a condição social dos sujeitos representativos da narrativa visto que a personagem de Luís Dias não tem recursos financeiros para prover a vida que Ana Rosa o tem, contudo o salvo conduto para o matrimônio é a cor de sua pele para adentrar em tal classe social. Esta marcação de cor tira qualquer dúvida de uma leitura social que de fato não o foi. A quarta e última é que muito de como a sociedade brasileira atualmente trata a população afrodescendente ainda reflete modos e modelos de comportamentos assimilados e reproduzidos no Brasil Colonial.

A segunda posição, justamente, tem como ponto de partida mais processual entre Raimundo José da Silva e Tadeu Canhoto como personagens que são extensivos: um ao outro; não apenas Tadeu realiza o desejo de Raimundo como ele dá outros sentidos ao seu existir como sujeito afrodescendente brasileiro na contemporaneidade.  Tadeu não sofre o esvaziamento do capital cultural de matriz negro africano e/ou de formação intelectual eurocêntrico. Tadeu irá dialogar com os dois para sobreviver e ascender socialmente, e ascendendo será aceito, viverá seu momento de pertença.  O Coronel Gomes pai de Lu vai lhe aceitar pela sua condição social, e não por sua matriz cultural.









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[1] Domingos Oliveira de Sousa é Mestre em Estudos Culturais pela Universidade Fernando Pessoa. Porto – Portugal. dommingos2@hotmail.com

[2] Linguagem Cultural: ou seja, são todos os jogos simbólicos e as suas dinâmicas culturais produzidas por determinado povo. Para o segundo termo – Língua(gem) Cultural Institucional, é toda a formulação, modelação, compreensão, julgamento, do Estado, das Religiões, dos Meios de Produção  sobre a cultura, assim como normatização da mesma  através de uma determinada língua oficial.
[3] O racismo consiste em caracterizar um conjunto humano por atributos naturais associados por seu turno a características intelectuais e morais que valem para cada individuo que releva desse conjunto e, a partir daí, em instaurar eventualmente práticas de inferiorizarão e de exclusão.
[4] Refere-se a conjunto a um conjunto de atributos ou de traços  tais como a língua, a religião, os costumes, o que aproxima da noção de cultura, ou à ascendência comum presumida dos membros, o que a torna próxima da noção de raça.
[5] Mulato – adj. Mestiço de branco e preto ou vice – versa. Do Ar. Mullad ou como grafalammens: mowllad celui qui est    d’um père árabe et d’une mère ètrangère, “ ou dun pere esclave et  d’um mère livre. C’est, jê pense, de lá et non de de mulus que vient mulatre ” (de Sacy Chrest. Ar) Por esta razão é que damos étimos diferentes para os dois homônimos. Foi justamente esta homofonia que levou todos os autores portugueses e brasileiros à idéia errônea de pensar que mulato, mestiço, macho, burro de carga. A passagem de Gil Vicente sempre invocada para documentar “Se beato imaculado lhe emprestado o seu mulato, mas não sei se quererá” (Cler. Dda Beira_ Serve apenas para muacho, para o um e não o descendente de branco e negra. (Bueno: 1968).

[6] Raimundo por boa parte da narrativa entende-se como branco de educação européia de usos e costumes deste mesmo continente. A relação do meio no qual  Raimundo se encontrou fez dele um sujeito moralmente  autônomo. Ao tempo em que Raimundo é informado que é filho da negra Domingos que se encontrava maltratada e enlouquecida pelos os sofrimentos que tinha passado no decorrer de sua vida  não só fez com que Raimundo movimenta-se da autonomia para a heteronomia moral como também construí-se no filho de José Pedro uma negativa do seu existir consigo mesmo e com o contexto no qual se encontrava. De tal forma que, este se vai  ao encontro com as teorias  do racismo biológico e/ou científico.
[7] É de bom tom atentar que até 1888, o afrodescendente brasileiro do ponto de vista político não existia. 
[8] Curvier, Georges (17691832), Prichard, J. Cowles (1786 – 1848), William Frederic Edwards (1777 - 1842) Charles Hamilton Smith (1776 – 1859) The Natural History of the Human spices J. C. Nott (1804- 1873) e Geo R. Gliddon (1799 – 1851) Types of Mankind (1855) e Robert Knox (1791 - 1862) com o seu livro The Races of Men de 1850 reeditado em 1862; assim como o Gustav Klem (1802 – 1867) Estudo em 10 volumes  ( Allegemeine Cultur – Geschichte der Menscheit) e Artuhur Gobineau (1816 - 1882) com o livro as Essai sur l’inégalité des races humanies (1853 – 1855). Acreditavam na imutabilidade das raças humanas. (Banton: 1977).
[9] Primeiro,  variabilidade: não há dois seres vivos iguais. As espécies modificaram-se ao longo do tempo. Segundo, hereditariedade: as características individuais não são adquiridas por adaptação, mas sim herdadas dos antepassados. Este princípio era olhado como limitando o poder do significado das causas morais nos assuntos humanos. Terceiro, a fecundidade excessiva: a demonstração de eram gerados  muitíssimos mais organismos que os necessários para a manutenção e até expansão da espécie destruiu as noções mais antigas da existência de uma economia divina da natureza. Quarto, a seleção: a tese de que certos indivíduos, por causa de variações ocidentais, se veriam favorecidos pelo processo seletivo parecia basear a evolução na sorte em vez de nos desígnios supranaturais, e revelava-se perturbadora para os que pensavam em termos antigos. (Banton: 1977).
[10] Uma das características do realismo/naturalismo brasileiro é o anti-clericalismo. O padre Diogo será o responsável por duas mortes: a primeira é a de José Pedro, pai de Raimundo, que o encontrará para sua surpresa nomeadamente o dito padre nu na sua cama com a sua esposa Dona Quitéria Inocência de Freitas Santiago. Após ver Pedro Manuel matar a esposa, por ter cometido adultério e também ter surrado e queimado a ferro em brasa a genitália e os seios de Domingas. O padre diz para “Matou-a! Você é um criminoso!” (Azevedo: 2003). Neste jogo sutil de razão e ironia far-se-á um acordo onde cada um dos senhores guardará em segredo dos fatos ali ocorridos.  Contudo, o padre encomenda a morte de José Pedro como forma do segredo morrer com quem o sabia. A segunda é a do próprio Raimundo. Na noite da tentativa de fuga de Ana Rosa, onde ela declara a todos que está grávida de Raimundo escandalizando a todos. O cônego conspira com Dias um dos caixeiros de Pedro Manuel. Isto, a representação da Igreja Católica é responsável por duas mortes: uma do Pai Pedro Manuel da Silva e o segundo do filho do mesmo Raimundo.
[11] A idéia da narrativa traduz a vida de Pedro Arcanjo e o que o ocorre com ele e no seu entorno.  O processo de criação do autor baiano  cria interfaces entre o real e a ficção. Pode-se entender que nesta construção Manuel Querino é homenageado pela sua importância nos Estudos Africanos e Afro-brasileiros e no combate ao racismo. Este último, muito certamente, seja o mote criado por Jorge Amado que vai ser mantido por todo percurso do texto que conta a história.  Não se trata de reconstituir a vida de Manuel Querino, contudo na composição da personagem de Pedro Arcanjo existem paralelos com a vida do estudioso baiano.  

[12] A Antropologia Criminal tem seu início na segunda metade do século XIX com a publicação do livro L'Uomo Delinquente de Ceseare Lombroso em 1876. Neste livro,  o autor italiano  vai caracterizar um criminoso  através da estrutura física e mental a partir das pesquisas feitas com  seus pacientes, a fim de determinar fortemente por traços biológicos  a natureza de um criminoso baseando-se nos processos evolutivo dos seres humanos(filogenética). Opondo-se a escola Clássica do Direito Penal, Lombroso e seus seguidores Enriço Ferri e Rafaele Garofalo fundaram a Escola Positiva, que receberá diversos nomes Escola Determinista ou  Escola Italiana de direito penal.

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Domingos Oliveira de Sousa Vi um leão bobo. Disseram a ele que era o rei da selva. Ele acreditou. Podia mandar em tudo e todos. “Sou o rei”. “Mando aqui sozinho. ” Pensou por alguns segundos. O rei não sabia ler. Não sabia também escrever e falar em público. Ele não tinha habilidade para falar sobre assuntos espinhosos. Ele chamou o macaco prego para ser seu porta-voz. O macaco prego não era o mais malandro da selva, mas ele tinha um histórico de várias canalhices. Todo mundo sabia de como se comportava o macaco. Ele aprontava e dizia que era outro. Ele dizia a todo mundo que era honesto. Ninguém acreditava, mas todo mundo sabia quem era o macaco.  Todo mundo ouvia o macaco, porque o leão, quando falava era através da ameaça. “Vou matar você”, “Vou comer você”, “Vou expulsar você de minha selva” e a coisa iam caminhando para um caos total na selva. Sempre que podia o macaco colocava uma casca de banana no caminho do leão. O rei dos animais pisava na casca. A pa

Fé na fita: Igreja do Senhor do Bonfim!