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A sindicalização da cor

                      DOMINGOS OLIVEIRA DE SOUSA

A propósito do ensaio anterior fiquei pensando em deixar melhor as idéias esclarecidas em relação a palavra negro e o sentido que desejo dar a mesma no contexto afro-baiano, ao mesmo tempo surgiu uma reflexão a respeito da militância, que eu chamei de sindicalização da cor. Pode até parecer jocoso, contudo este não foi a intenção inicial. Gostaria de deixar claro que negro na minha compreensão da realidade sócio — cultural baiana é um conceito político e, não, um conceito cultural. De sorte que, não estou a tratar da cor de pele dos soteropolitanos e, sim, da relação de pertencimento que os mesmos têm em a identidade sócio-cultural na cidade de Salvador, vou através de argumentos defender este ponto de vista no texto que pretendo escrever.

Posso parecer niilista, ou ainda, praticar um racismo as avessas, isto é, a discriminação do branco baiano. Não é bem isso que gostaria de dizer por mais que eu dissesse. Talvez, a realidade global nos permita construir alguns caminhos para chegar ao argumentação final. Procurarei traçar uma tentativa de um diálogo e uma compreensão das clivagens que o negro baiano tem que ultrapassar para chegar ao poder político e poder econômico. Certamente, este deve ser o ponto nervoso que que as sociedades africanas tem vivido em seu momento pós-colonial, seja a África do Sul, seja o Zimbabué, seja Angola entre outros países africanos que estão procurando se auto-afirmarem na geo-política do continente e ao mesmo tempo dialogar com o mundo.

Andei pelas livrarias de Salvador nos meses de julho, agosto, e setembro, enquanto me encontrava naquela cidade e fiquei surpreendido pela quantidade de literatura de militância que tem sido publicada. Por um lado e bom, por outro é péssimo. Bom, por que toda a iniciativa de transformação social é importante que aconteça. Há uma literatura do ressentimento que merece ser estudada com seriedade e de alguma forma construir uma teoria, ou ainda, uma história sobre a mesma. Péssimo, por que parece que os cursos de Ciências Sociais transformaram-se em formadores de militantes e, não, de intelectuais que não conseguem tem um equilíbrio moral, ético e estético na construção e produção do seu conhecimento.

Dois factos no plano global tem me chamado atenção para a realidade particular de Salvador — Bahia. O primeiro é o discurso de Alpha Konare, que ocorreu na Cimeira UA (União Africana ) e UE (União Européia). «África para os africanos», «África sobre a responsabilidade dos Africanos». Isto ficou muito claro. Tanto no discurso de início da Cimeira como no final da mesma. Acompanhei a Cimeira, não como quem assiste um jogo de futebol, onde se escolhe o time que torce, ou ainda, se torce para o time mais forte que certamente até o final do jogo fará aquela jogada tão esperada e aquele tão previsto gol acontecerá naturalmente. Também, não tive o arroubo romântico de torcer pelo time mais fraco, esperando em um certo momento miraculoso ele fizesse um gol inesperado e colocasse a torcida, que, até então, era contra o mesmo, se voltasse ao seu favor. Acompanhei a Cimeira pela televisão e pelo jornais: Público, Expresso, Jornal de Notícias, e também os internacionais: El País, Le Monde, Le Figaro, The Observer e afins. Acompanhei como brasileiro, que estava entendendo que não compreendia nada de África e de Europa e, muito menos, das relações internacionais entre estes dois continentes. Sabia que tanto a República Popular da China tanto quanto o Brasil de forma indirecta provocaram o acontecimento desta Cimeira, uma vez que, principalmente, a China tem investido maciçamente no continente africano sem o antigo formato de intervenção na política local. E, com isso, tem feito grandes negócios no que tange a construção civil, o petróleo e petroquímicos.

A Cimeira tinha seus tópicos centrais 1) Paz e Segurança 2) Governação e Direitos Humanos 3) Comércio e Integração Regional 4) Energia e Alterações Climáticas e 5 Migrações. Europeus e africanos sentaram à mesa na tentativa de uma possível reconciliação no que tange as políticas internacionais o colonialismo e o pós — colonialismo, onde há todo momento os ressentimentos estavam fortemente expostos: O presidente do Zimbabué, Robert Mugabe fora execrado do todas as formas pela imprensa portuguesa e também pela imprensa internacional, seja também pelo Primeiro Ministro da Inglaterra Gordon Brown e Angela Merkel primeira Ministra Alemã. Do mesmo modo, os dirigentes como o Presidente de Moçambique, Joaquim Chissano, manteve uma posição de respeito em relação ao Presidente do Zimbabué e muito dirigentes africanos fizeram o mesmo.

O segundo facto, é OBama. O senador do Illinois, Barack Obama, que poderá vir a ser o candidato do partido democrata à Casa Branca. Barack não é o candidato produzido pela militância. Ele sabe que para vencer ele tem que vencer com o voto branco. Nem o Candidato Barack Obama nem o eleitor estadunidense tem dúvida se ele é negro ou branco. O eleitorado de Illinios que é composto por 95% de brancos votou em Barack. Talvez, isso demonstre que ele o eleitor já deu um salto para além da cor da pele, mesmo com todo ir e vir de discriminação racial que compõem a realidade histórica da sociedade nos Estados Unidos. Talvez, o exemplo de Barack nos dê a medida certa para entendermos que a sindicalização da cor não vai possibilitar o surgimento de lideranças. E, sim, pelo menos duas conclusões: a) que os negros na Bahia estão ainda na condição de rebotalho de todos os partidos políticos, seja por um jogo ideológico de inferiorização sistemática do negro, seja pela construção de uma sociedade neocolonial, onde a discriminação racial é tão forte que o negro não saiu da margem e que o poder político tanto quanto o poder econômico é mantido através do suor do trabalho da mão obra baiana que em sua maioria expressiva é negra. E, esta é tratada como semi-escravo. b) que democracia racial coloca o negro em uma camisa de força que ele tem uma grande dificuldade em movimentar-se. Talvez, a inteligência da militância saiba que daquela cartola não sairá coelho e muito certamente é bom manter o emprego a arranjado como chefe daquilo, organizador do silêncio alheio. Enfim, fazendo a manutenção de pequenos poderes que resolvem problemas pessoais, mas não problemas colectivos.

Estive na Universidade Estado da Bahia para fazer uma palestra sobre etno-linguística, contudo tive o cuidado de ouvir os discursos de outros colegas que, por acaso, não ouviram o meu e percebi o quanto este o discurso está racializado. Agora é tudo para o negro, mas é um tudo tão militante que me causa estranheza por este tudo é tão inconsistente do ponto de vista teórico que pode acabar virando um nada. Virando um modismo com data marcada para acabar. Isto por que, se é para racializar, tem que se começar através do voto. Não faz sentido votar em Pellegrino nem tão pouco em Javier Alfaya, por exemplo. Não entendo por que o Carlos Alberto não é o candidato do PT e Olívia Santana não é a candidata do PC do B.Essa combinação da defesa dos negros e da «esquerda» não responde e não irá responder nunca por que são interesses pessoais e colectivos diametralmente opostos. De forma que, a natureza da etnicidade e/ou etno sócio-cultural onde o negro baiano se encontra, tem-se transformando em algo sindical que diminui, que coisifica o negro como objeto, dando apenas uma dimensão afectiva, que não se efetiva nos grandes jogos do poder.

Porto, 06/01/08

Domingos Oliveira de Sousa



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